Achei muito estranho aquele ônibus amarelinho parando fora do ponto na rua do Oratório, quase em frente da rua Juvenal Parada, para aquela moça descer. Não lembro precisamente, mas isso ocorreu nos primeiros anos da década de 60 e eu era um adolescente voltando do colégio.
Quem morava na Mooca nesse período certamente vai lembrar que existiam três linhas de ônibus “amarelinho” que subiam a rua do Oratório : o 27 – Oratório, o também 27 – José Higino e o 28 – Bertioga, todos com ponto inicial (ou final ?) na Praça Clóvis Bevilacqua . Tinha também o 26 – Parque da Mooca, mas este não subia a Oratório e, portanto, não tem nada a ver com esta história.
Bem, mas voltando ao ônibus parando fora do ponto. Esse tipo de concessão não era nada comum, mas naquele dia isso aconteceu. E o mistério ficou mais ainda ampliado pelo fato de que, quando o ônibus voltou a retomar seu itinerário, não mais vi a misteriosa moça. Ela sumira de repente, tendo possivelmente entrado em alguma casa, despertando mais ainda minha curiosidade. Quem era aquela moça? Por que era obsequiada com uma parada especial?
No dia seguinte, voltava eu do colégio em torno do mesmo horário e, quando estava me aproximando do local da ocorrência do dia anterior, reduzi os passos procurando “fazer um pouco de hora” na esperança de presenciar a repetição do fato. Para minha imensa felicidade realmente vi um ônibus subindo a rua do Oratório, passando de seu ponto de parada normal e parando no mesmo local do dia anterior.
Embora esperasse por esse momento, lembro-me que, mesmo que possa parecer incoerência, fiquei surpreso e estático, mas logo me recobrei e atravessei a rua para tentar ver mais de perto quem era a moça que havia sido contemplada com aquela gentileza, mas, infelizmente pude vê-la apenas de relance, pois rapidamente ela ingressou em uma casa. Pelo menos parte do mistério havia sido desvendado. Pensei comigo: amanhã continuo a minha investigação.
Mas, o dia seguinte era um sábado. Eu não tinha aula e acreditava que a “moça do ônibus” também estaria de folga, o que me fez adiar meus planos para a segunda feira.
E como demorou para passar as horas daquele fim de semana e as aulas da segunda feira!
Já era tradicional, após as aulas da segunda feira, um bate-papo com os amigos, no barzinho do Colégio São Judas Tadeu, para analisar os jogos de futebol do domingo. Mas, naquela segunda eu tinha assunto mais importante. Por isso, mesmo diante dos protestos dos companheiros de debate eu rapidamente me dirigi para o meu local de observação.
Não demorou muito e lá vem um amarelinho subindo a Oratório mas, para minha surpresa, parou no seu ponto normal. Cheguei a ficar desiludido. Mas a desilusão foi-se embora rapidamente, pois o coletivo andou mais alguns metros e fez a habitual parada defronte a possível residência da misteriosa moça.
Desta vez não perdi tempo. Tão logo percebi que o “amarelinho” diminuía sua velocidade atravessei rapidamente a rua e coloquei-me estrategicamente numa posição de onde eu pudesse observar melhor.
Nunca mais esqueci essa imagem : a moça descendo elegantemente as escadas do ônibus, com um sorriso encantador agradece ao motorista, caminha em direção a porta daquela casa e nela penetra, fechando a porta atrás de si e diante de um atônito adolescente.
Depois disso, tive a felicidade de presenciar essa cena por mais algumas vezes até que, alguns dias depois, nenhum ônibus lá parou. Nem no dia seguinte. E nem no outro. Armei-me de coragem e indaguei para um vizinho. Eles mudaram – disse-me ele. Com um misto de decepção e frustração, limitei-me a agradecer pela informação e ir para casa.
Ao longo dos muitos anos aquela imagem nunca me saiu da cabeça. Eu jamais soube mais nada a seu respeito. Hoje, recordando aqueles misteriosos momentos, eu percebo que nem ao menos eu sei o nome daquela linda moça da rua do Oratório.
Eduardo Galgrisi