Ithamar Lembo – Diretor, Roteirista, Locutor e Mooquense

Ithamar nasceu em São Paulo, na Mooca, que ele chama de Principado. É relevante começar esse perfil assim porque ele realmente fala com muito orgulho do lugar onde nasceu e vive. E repete isso muitas vezes durante o papo, como vocês vão perceber: “A Mooca é tipo Mônaco, saca? A gente tá dentro do país, do Estado, da Cidade, mas somos uma nação à parte. Só quem é, sabe! E eu reivindico a mim, sem a menor modéstia, a criação dessa analogia. Falei isso a primeira vez aos 12 anos, na aula de História da professora Arlete, quando ela explicou o que era um Principado. Hoje um monte de gente fala, mas eu sei que a ideia é minha!”

Foi no bairro, na escola estadual Pandiá Calógeras, que ele participou da primeira peça de teatro da sua vida, que ele conta de uma maneira muito divertida que, infelizmente, vocês não poderão entender apenas com as palavras:

“Era um figurino com 3 kilos de papel crepom verde picado cobrindo o corpo todo. Eu fazia parte do grupo que era o mato. Sim, meu primeiro personagem foi O MATO. Num determinado momento o jardineiro entrava com o regador, a música dizia “e o mato cresceu ao redor, ao redor, ao redor” e a gente, que tava agachado, escondido até ali, levantava sacudindo os braços pra mostrar o mato crescendo. E ficava naquela posição até acabar a peça. Não foi lá uma estréia muito promissora”.

Foi na mesma escola que ele conheceu o também ator Mateus Carrieri, no terceiro ano, e foi desse encontro que começou sua carreira: “Claro que ali, com 8 – 9 anos, eu não tinha essa visão de carreira. Mas a mãe do Mateus, que era como a empresária dele, começou a me levar junto em uns trabalhos que ele fazia e arrumar uns trabalhinhos pra mim também. Eu curtia, mas era só diversão.

Nem imaginava que faria aquilo a vida inteira. Sem falar que numa época em que a escola era super rígida e essas coisas de TV, teatro, eram quase um crime, eu tinha uma professora, Ruth Pinho, que achava aquilo demais também e sempre apoiou e entendeu meu jeito de sempre estar fazendo piada, gostar de cantar, ser o palhaço da classe. Eu gostava de fazer as pessoas rirem, prestar atenção em mim. Isso é apaixonante”.

Na adolescência recebeu mais um impulso que fortaleceu essa paixão. No colégio MMDC, também na Mooca, pode participar de inúmeras atividades artísticas e conheceu professores que sempre o incentivaram a seguir esse caminho: “No M tinha o SHOWCANTE. Era uma semana inteira, tipo mostra cultural, que valia tudo. Os alunos podiam cantar, dançar, montar uma peça, fazer mágica, declamar um poema, era demais. E eu sempre criava coisas em todas essas vertentes. Esquetes cômicas, montava grupos pra apresentações musicais, escrevia poemas, tudo que dava.

E devo muito ao incentivo e apoio das professoras Denise e Julinha. Enquanto os outros professores me achavam um terror e diziam que eu só pensava em “teatrinho” o ano todo, elas sempre se interessavam, queriam saber o que eu tava pensando, riam das minhas criações. No M também tive oportunidade de participar do Quem Sabe, Sabe e do É Proibido Colar, programas sensacionais da TV Cultura que também envolvia arte e cultura. E elas sempre me colocavam na turma dos criadores das coisas, o que eu adorava. Ou seja, eu já tava pego pela arte e nem sabia.  E devo muito disso à essas professoras. E a Ruth Pinho do primário”.

Damos um salto no tempo e 10 peças de teatro depois, vários comerciais, participações em programas de TV e uma bem sucedida alternativa pra ganhar dinheiro ( “arte não pagava as contas” ) como representante de vendas de peças e pneus, finalmente largou tudo e decidiu que seria ator. Com ou sem dinheiro pra pagar as contas. Vendeu sua representação e foi estudar teatro pela primeira vez porque, apesar da experiência de muitos anos que tinha, nunca havia estudado, não tinha formação: “Na verdade o que me motivou a decidir pela arte foi justamente a criação de um curso que parecia uma oportunidade incrível.

O TUCA, teatro da PUC que foi incendiado na ditadura, estava terminando a sua reforma, preparando a reabertura, e resolveram montar uma escola de formação de atores que simbolizaria essa reabertura. Professores incríveis, conteúdo maravilhoso e no final do primeiro ano estraríamos um espetáculo que marcaria a reabertura. O espetáculo seria O Homem e o Cavalo, de Oswald de Andrade, que nunca havia sido encenada. E simultaneamente, a editora Globo lançaria um livro sobre a peça, escrito pelo nosso professor de História do Teatro e Dramaturgia, Carlos Gardin. Havia naquela conjunção de fatores, muitos sinais pra que eu tomasse essa decisão. E não me arrependo. Os 3 anos de TUCA valeram mais do que os mais de 10 que já vivia na arte”.

Logo depois da formação, outra oportunidade bateu à sua porta. Mais uma vez ele recebia um sinal de que tinha tomado a decisão correta. Seu ídolo, Oswaldo Montenegro, estava se mudando pra São Paulo pra montar uma Companhia na cidade: “Não acreditei quando recebi o telefonema. Tinha deixado meus contatos com um produtor do Oswaldo ainda antes de me formar, num show que aconteceu no velho Palace. Era 86 – 87. Não existia e-mail, celular, site, nada. Entreguei um guardanapo com meu nome e telefone de casa e só disse que se um dia o Oswaldo viesse fazer qualquer coisa em São Paulo que gostaria de trabalhar com ele.

Lembro dos amigos que estavam comigo no show rirem quando eu disse – VOU TRABALHAR COM ESSE CARA – 4 anos depois lá estava eu sendo dirigido por Oswaldo Montenegro. Permaneci na Companhia por 3 anos onde montamos 5 espetáculos e depois que saí, continuei fazendo participações em diversas montagens dos cursos e ainda escrevi uma peça com meu compadre Tchello Palma, que o Oswaldo produziu e dirigiu. Um Sucesso Extraordinário. Não, não foi o resultado da peça… era o nome do espetáculo mesmo. Pra garantir”.

Mas chegou um momento em que seu talento criativo precisava mais do que atuar, além do fato de que teatro não pagava suas contas, como ele gosta de dizer rindo várias vezes. Então começou a escrever pra teatro. Daí pra começar a dirigir, foi um pulo. E num outro golpe do destino, a oportunidade bateu na sua porta mais uma vez e o chamaram pra escrever o roteiro de um vídeo: “Nunca havia escrito um roteiro, mas claro que topei.

Precisava da grana ( RS ). Já havia uma internet precária, dava pra dar umas pesquisadas e, aos trancos e barrancos, descobri como é que se escrevia um roteiro. Na verdade descobri a forma, porque o conteúdo eu sabia que podia resolver. E resolvi. Desses vieram outros e em pouco tempo estava dirigindo vídeos também. Eu sei que no final do século eu era ator, escritor, diretor e comecei a me destacar também no mercado de vídeos e eventos”.

É por isso que nos últimos 20 anos está muito mais envolvido no mercado de eventos do que no mercado cultural: “Infelizmente eu nunca tive o perfil de televisão e nunca fui muito atrás disso mesmo. E, no teatro, a remuneração é muito ruim. Então eu aproveitei toda minha experiência e, modestamente, meu talento artístico, e joguei isso no mercado de eventos onde consegui me firmar”.

Isso não quer dizer que ele deixou sua carreira artística de lado. Nesses 20 anos ele também participou de 5 peças de grande sucesso, fez diversos comerciais como ator e uma infinidade deles como locutor, participou de algumas novelas em diversas emissoras, uma minissérie e até deu aulas em cursos de teatro. Seus últimos trabalhos na TV foram na minissérie Ligações Perigosas, na Rede Globo e no grande sucesso Carrossel, no SBT, que você ainda pode ver em vários canais da TV paga, na internet e nas inúmeras reprises no próprio SBT porque a novela ainda faz sucesso entre o público infantil: “Nunca deixei de ser ator.

Essa é minha essência. É minha paixão. Mas eu tenho um grande prazer em trabalhar com eventos porque não é uma coisa tão distante da arte. Eu tenho a possibilidade de criar e dirigir coisas incríveis. E com dinheiro, com produção, com retorno financeiro. É isso que me sustenta e garante que eu possa fazer as coisas que quero e gosto no teatro e na TV sem ter preocupação com o bolso. Principalmente no teatro que eu posso embarcar em qualquer projeto que me agrade sem essa obsessão da grana”.

Ithamar, realmente, tem uma carreira muito relevante no mercado de eventos. Trabalhou para todas as grandes agências e produtoras, para quase todas as marcas relevantes dos mais diversos setores. Seja como criativo, como roteirista, como diretor ou, não poucas vezes, como todas as coisas ao mesmo tempo: “E, olha que louco: A grande virada na minha carreira nesse mercado se deu quando me tornei diretor de criação da Miksom. Sabe onde nasceu a Miksom? Na Mooca!

Os donos da Miksom também são da Mooca. Ali participei, ajudei a criar e dirigi os eventos mais incríveis e tive os melhores professores que foram, além dos donos, José Francisco e Carlos, os irmãos Ortali, Paulo Suplicy, que era O CARA nesse negócio. Depois não entendem porque eu sou tão apegado à Mooca. O mundo gira, mas ela tá sempre no meu caminho e cruzando as boas coisas da minha vida”.

É verdade: Ithamar fala da Mooca o tempo inteiro, como eu disse no começo. Não há uma história em que ele nunca cite alguém da Mooca, um acontecimento na Mooca, um lugar, uma escola, um vizinho. E juntando a sua paixão pelo bairro com sua versatilidade e múltiplos interesses, ele também se meteu numa empreitada que só seu amor pelo bairro pode explicar: se candidatou e se elegeu conselheiro de um time de futebol. O Juventus. De onde? Da Mooca, claro.

O que leva um artista multifacetado tão apegado ao mundo das artes, da cultura, da criação, se meter num negócio desses, como a política de um time de futebol?: “O Juventus, pra mim, é muito mais que um time de futebol. O time é um símbolo do Principado, sem dúvida. Mas o Juventus foi meu quintal. Eu tive uma certidão de nascimento e o segundo documento foi a carteirinha do clube, ainda bebê. Meus avós moravam em frente ao portão do estádio na rua dos Trilhos, onde eu também morei. Meu avô me atravessava, a dona Dulce ou o seo Agenor, zelador do estádio, abria o portão e eu ia sozinho bater minha bola no gramado da Javari sob os olhos atentos da dona Dulce que vigiava se ela não caia em cima dos lençóis que ela esticava no gramado pra quarar.Isso é uma lembrança de infância de tanta ternura, que guardo com tanto carinho, que chamar o Juventus apenas de time de futebol, pra mim, é muito pouco. Depois, já na adolescência, fiu morar perto do clube. E lá passei minha vida. Pratiquei todos os esportes, frequentei todos os eventos, carnavais, domingueiras, muito beijo, namoradas, amigos, aventuras. Muitos dos meus melhores amigos eu fiz ali. Muitas das minhas melhores histórias e lembranças aconteceram ali. Meu time de coração é o Palmeiras. Mas o Juventus é meu CLUBE de coração. É o meu lugar. A minha casa. A minha história.

E agora ele acaba de inventar mais um capítulo pra essa história. Nesses tempos de quarentena, Ithamar adora ficar na sua varanda por longos períodos, olhando para o bairro lá de cima, relembrando momentos, pessoas que já se foram, refletindo sobre a vida. E foi num desses momentos, pensando no que ele poderia fazer de produtivo já que estava impedido de trabalhar, que ele pensou no que chama de “projeto de quarentena”:

“Eu sou locutor e tenho toda estrutura pra gravar em casa. Também sou um leitor compulsivo, principalmente de filósofos, intelectuais, pensadores, poetas. Uma das coisas que me ajudava muito naqueles momentos de reflexão momento, era ler esses caras. Então pensei: porque não pegar os textos que eu gosto, gravá-los com a minha voz e compartilhar com as pessoas? Se me ajudam, podem ajudar os outros. Pode levar um pouco de alento pra alguém”.

E assim nasceu o canal no Youtube, VOZ & VIBRAÇÃO, onde você vai encontrar de Platão a Cora Coralina. De Caio Fernando Abreu a Russeau. De Sócrates a Santo Agostinho. De Camus a autores pouco conhecidos. Com reflexões, questionamentos, mensagens que, realmente, trazem um alento e nos fazem pensar na vida com uma visão otimista, alto astral, positiva: “São textos que falam de temas universais e atemporais. Escritos por pessoas iluminadas, que olham pra vida, pras coisas, de uma maneira muito particular, muito especial. É impossível ter contato com essas obras e passar ileso.

E eu tenho tido um retorno muito legal das pessoas que me agradecem, mandam mensagens pra debater os temas tratados, sugerem outros textos, cobram quando eu demoro pra postar. Acho que consegui atingir o objetivo. Mas ainda que não estivesse tendo esse retorno, e mesmo quando tudo isso passar, vou continuar fazendo porque to adorando. Era um projeto de quarentena, agora é um projeto de vida. Quis fazer algo de bom para as pessoas, mas o maior beneficiado fui eu, porque tem feito muito bem a mim mesmo. E, de novo, surgiu enquanto pensava na minha vida, na minha história, no meu lugar.

Adoraria se as moradoras e moradores do nosso querido Principado conhecessem o canal, se inscrevessem, compartilhassem. Não só porque ajudaria o canal a crescer, motivaria a continuar, mas também porque tenho certeza que as pessoas vão gostar e se beneficiar. Impossível não ter pelo menos um texto ali que traga algo de bom para a vida de qualquer um. Vou deixar o link do canal no final pra quem quiser dar essa força. Pra mim e pra si mesmo”.

Sem dúvida Ithamar é muito apegado às raízes, às amizades, às pessoas que passaram pela sua vida e por isso fala tanto do bairro em que nasceu e vive até hoje. Até porque, além de seus melhores amigos, como ele diz, estão também suas irmãs e boa parte dos seus parentes, amigos dos seus já falecidos pais. Talvez seja por isso que ao contrário da maioria dos artistas que conheço, que frequentam os pontos culturais da cidade, os locais que concentram a classe em que as turmas e os amigos também são artistas, Ithamar prefere frequentar os “points” da Mooca como o já tão decantado Juventus, os botecos do da região, com os amigos de infância do lugar:

“Uma coisa que me prende a esse lugar é a materialização das histórias, da memória. Sabe quando as pessoas contam passagens da sua infância, da juventude, falam de pessoas que conheceram… eu conto essas histórias para o meu filho. Aí saio com ele pelo bairro e aponto… “sabe aquela briga que te falei? Foi nessa esquina aqui”. Depois encontro um cara e digo “lembra aquela história do cara que foi comigo naquela festa? É esse cara aqui”. Toda vez que eu saio de casa eu passo pelos lugares e vejo a minha história. Todo dia eu encontro um personagem importante na minha vida. Em cada esquina tem uma lembrança. Tudo isso faz parte de quem eu sou e me fez chegar até aqui. Eu amo minha profissão e, por ela, já fui e vou pra onde precisar pra passar o tempo que for preciso. Mas essa é minha pessoa jurídica. Terminado o trabalho, minha pessoa física quer voltar pra cá o mais rápido possível. O Principado é o meu lugar”.

Ithamar Lembo é ator, escritor, diretor, locutor, irmão, marido, pai, tio, amigo e, sem dúvida, é da Mooca, belo!

Canal VOZ & VIBRAÇÃO  https://www.youtube.com/c/VOZVIBRACAO