16 de abril de 1969 : estreava no JUVENTUS o renomado jogador argentino Cesar Luiz MENOTTI que, anteriormente, atuara no Rosario Central, Racing, Boca Juniors (Argentina), New York Generals (USA) e Santos (Brasil). Ao encerrar a carreira de futebolista, Menotti passou a ser treinador iniciando no Newell”s Old Boys, passando posteriormente para o modesto Huracan (ambos da Argentina), vencendo o Torneio Metropolitano, o que lhe rendeu uma convocação para treinar a Seleção Argentina, pela qual foi campeão mundial na Copa de 1978.

Sempre que a conversa é futebol, acostumei-me a responder três perguntas em sequência. A trivial: “Pra qual time você torce ?”  e ao ouvirem o substantivo masculino mooquense JUVENTUS, em  um átimo desferem a segunda: “Mas… não torce pra nenhum time…grande ?”. A minha negativa, acrescida da explicação de que jamais sucumbi ao “bulying” pela minha escolha futebolística, remete à pergunta letal  ao prosseguimento da conversa: “ …e você também estava na Javari quando o Pelé fez seu gol mais bonito, em 1959 ?”.  Resposta: “Não, mas estava quando o Menotti fez o gol de bicicleta.” Verdade, eu não estava naquele dia em que Pelé  criou o soco no ar como forma de simbólica de agredir (segundo ele mesmo)  a torcida do Juventus, que, justificadamente,  o apupava por ter quebrado a perna do “half” esquerdo Pando. Mas se lá estivesse, jamais o admitiria, pois não costumo entregar pontos pra inimigos.

O ano era 1969. O terceiro e último ano de meu pai, Sergio Agarelli, como dirigente do futebol profissional avinhado. Um dia, ele me contou, entusiasmado, sobre a contratação que fizera junto ao Santos FC  de um meia direita argentino, chamado Menotti. Ele viria para compor o meio de campo que já tinha os cerebrais Gonçalves, Ferreirinha e Brecha, ou mais à frente, como ponta-de-lança, para servir os lépidos Antoninho, Andes e Frazão.

Em 16 de abril, uma quarta-feira à noite,  lá fomos nós, eu e meus companheiros da CAJU (a primeira uniformizada do Juventus) Angelo, Gigio, Pasquale, Chico  Prisco, Giacomo, Carlão e Valente, ao Parque Antarctica ver a estreia do tal argentino. O jogo, propício para uma travessura. Nosso adversário, a Academia palmeirense, a ser enfrentada em seus domínios. Não os vencíamos há 12 anos. Um tabu mais incômodo do que contra o Santos, que fazia 20 anos que não derrotávamos, pois não haviam santistas na Mooca pra nos aborrecer. Ao passo que palmeristas…

Jogo iniciado, Juventus atacando para o gol das piscinas, e só víamos o argentino de camisa verde (Artime) se movimentar e abrir o “placard”. No banco deles, outro argentino: Don Filpo Nuñes. No nosso, uma figura de peso: Clóvis Nori, o professor.  Eis que a bola chega aos pés do meia estreante que, de primeira, a coloca sutilmente no espaço entre o lateral e o zagueiro esmeraldinos, para a entrada em “facão” do ponta  Frazão. “Dribling” no goleiro Chicão e o empate é decretado. Um dúzia de Juventinos, pulando em meio aos atônitos palmeristas e gritando aos quatro ventos: “Chegou o dia ! “

Volta do intervalo. Não deveríamos ter ficado. Os esmeraldinos começaram a trocar bola e a coisa desandou: 6 a 1. Fim de jogo. Cabisbaixos, de volta à Mooca em ônibus cheio de adversários, com mais uma vergonhosa derrota no lombo. Aquele segundo tempo foi tão humilhante que eles se deram ao luxo de substituir o goleiro titular, Chicão, promovendo a estreia de um goleiro muito jovem,  vindo do Comercial de Ribeirão Preto, chamado Emerson Leão.

Jogo seguinte, na Javari, diante do maior rival. Felicidade máxima: Juventus bate a Lusa do Canindé por 2 a 1. A jogada do gol no Parque Antarctica se repetiu e novamente Frazão saiu consagrado pelos pés inteligentes do “magrão” Menotti.

Novo jogo em casa. Primeiro de maio sem desfiles ou comemorações, afinal era 1969, e a Javari lotada pra ver o  Juventus enfrentar um dos gigantes do trio de ferro, o São Paulo FC.

O jogo já estava no segundo tempo e o São Paulo vencendo por 2 a 1, num lance isolado a bola vem alta para Menotti. Ele levanta a perna num movimento típico de quem vai “matar” a bola e quando sua perna atinge o ápice do alongamento, surge Terto,  ponta direita tricolor, que chuta, proposital e maldosamente, a perna do argentino. Menotti vai ao chão se contorcendo e imediatamente o médico juventino determina a substituição. Milton Buzzeto, o Capitão, mas com um pavio mais curto do que um Sargento, corre para o árbitro e exige a expulsão de Terto. O “Referee” dá de ombros. Manda cobrar a falta e prosseguir o jogo. Bem, aí Milton Buzzeto fez o que todo jogador ou torcedor tem, uma vez ao menos na vida, ganas de fazer: com um  “punch” levou o Sr. Antonio Viug à lona, ou melhor, ao gramado. Resultado: Milton encerrou sua carreira de zagueiro e iniciou a de auxiliar técnico naquele mesmo ano, devido à suspensão pelo ocorrido. Menotti só retornou depois de 45 dias no DM.

O retorno aos gramados foi num jogo em Ribeirão Preto, contra o Botafogo. Lembro que, durante a viagem de ônibus (Pasmem ! Às vezes a torcida ia junto com a equipe !!!), ele ficava isolado em uma poltrona, fumando, ligava uma vitrola portátil e ouvia tangos durante todo o trajeto. Nenhum jogador , diretor ou mesmo técnico tinha  coragem de perturbá-lo. “El Flaco” (O Magro) dava a impressão de ser um lobo solitário.

Chegou enfim, o dia 5 de julho, dia da volta à Rua Javari do décimo primeiro argentino a vestir o manto avinhado. O Juventus, do meia Brecha, versus São Bento de Sorocaba, do seu irmão e volante Brida.  Menotti inaugura o “score” com uma bela cobrança de falta pouco antes do intervalo. No segundo tempo, o Juventus amplia e triplica a diferença. Mas o melhor veio aos 23 minutos: bate e rebate na grande área beneditina e a bola subiu, encobrindo o meia argentino. Este, no bico direito da pequena área do Setor 2, gira com rapidez surpreendente e salta para uma bicicleta perfeita superando o goleiro Alberto. Festa total na Javari. Repetição do gol em todos os canais de TV. E assim “El Flaco” fechava, com bicicleta de ouro, sua fugaz participação naquela difícil  década, quando o Moleque Travesso teve que lutar contra o rebaixamento em mais da metade dos campeonatos disputados e ao mesmo tempo erguer sua Sede Social no Alto da Mooca.

Cesar Luiz Menotti vestiu a camisa grená  por 8 vezes e fez 2 gols. Foram 2 vitórias, 2 empates e 4 derrotas durante a campanha de 1969. Por estar contundido, não participou da épica vitória juventina sobre o Palmeiras na rua Javari, por 1 a 0 (“Enfim chegou o dia de verdade !!!”), que encerrou o  tabu  mas, como todos nós, participou da invasão de campo quando a partida terminou.

O Juventus foi seu último clube como jogador pois seu “passe” ficou preso  por ter ele voltado à Argentina antes do encerramento do contrato. Segundo ele, por motivos familiares. Em 1978,  logo após a Copa do Mundo, meu pai, embora ainda aborrecido pela forma com que Menotti deixou  o Clube e mesmo  inconformado pelo fato dele ter preterido “El pibe de oro” Maradona naquela Copa,  sugeriu ao Presidente do clube, José Ferreira Pinto Filho, a liberação do passe do ex – atleta platino como forma de reconhecimento ao seu feito na conquista do Campeonato Mundial de Seleções, o que foi aceito pelo conhecido Napoleão da Mooca.

Pra terminar, mais uma curiosidade sobre Menotti: Após a malfadada estreia pelo Juventus em 1969,  Menotti só retornou ao Estádio Palestra Itália como técnico do Boca Juniors pela Libertadores da América de 1994. O placar do jogo ? Novamente 6 a 1 para o Palmeiras !!!

Texto de Sergio Valdez Agarelli (somente um Juventino) com a colaboração do jornalista Fernando Galuppo.