Belôs! Ma nem me vão acreditá o chi me acunteceu na Móca!! E mi adiscurpa perquê me tô falando ansim, perquê té ogi chi me alembro, me fico cum reiva e cuando me dá nas venta parlo na língua inqui sô nata (Ma che dúvida? Mocanhêz, Madonna mia!)

Ma té alora me dá nas venta de uma tar de Sandra, amica mia, chi si eu tivesse um pao di macaron na mano i ela aqui alora na mia frente, lê metia na cabeça senza pensare niente!

Bom… agora já me respirei um poco e tou me acarmando, ansim vou recuperando a seconda língua mia.

Em meados da década de 1980 (Ufa! Já me tô falando curto de novo), em minha adolescência não perdia uma festa. Apesar de meu pai carcamano, de sangue mezza calabres e mezza napolitano, me manter trancada em casa a sete chaves, criatividade para burlar as regras não me faltava.

Certa vez aconteceu, porém, que por algumas semanas seguidas nenhum convite eu tive, e já estava me sentindo a mais esquecida das garotas do bairro.

E, de repente, justo no mesmo maledeto dia, apareceram três programas diferentes. Um aniversário de colega de escola, outra festa na família e o convite de um paquera para ir na domingueira do Juventus. Que martírio foi isso para mim! Não sabia qual escolher.

Eis que me aparece a maledeta da Sandra, me chamando para ir num aniversário com ela, uma festa com o tema dos anos 60, lá no salão do Vasco da Gama na Rua da Mooca.

Era o quarto convite para a mesma noite. Que desgraça! Mas mal eu sabia ainda que desgraça maior estaria por vir.

Tentei rejeitar o convite da Sandra, porém ela quase chorou implorando para eu ir com ela. Afinal, seu pai, como todo bom carcamano nascido e criado na Mooca, era muito severo e qualquer “pêlo em ovo” representava uma ameaça à virgindade da filha; e se eu não fosse, ela não conseguiria arrumar uma desculpa para poder ir à festa.

Muito isperta quela disgraziata (!) começou a falar dos rapazes lindos que iriam naquele maledeto aniversário com brilhantina nos cabelos, e ainda me fazendo sonhar com os trajes típicos que nós duas estaríamos vestindo, iguais aos da Olívia Newton John no filme “Grease – Nos tempos da Brilhantina”. Esse filme era a coqueluche da época, e, na ilusão de uma garota de 14 anos, em poucos minutos já imaginava que naquela festa eu encontraria o “John Travolta” da minha vida.

Ansim, Sandra me levou para “os embalos do domingo à noite”.

Passamos aquela semana inteira nos telefonando quinhentas vezes por dia para tratarmos de detalhes de nosso traje dos anos 60, e combinarmos as manobras que faríamos para que nossos pais não desconfiassem que estávamos indo a uma festa, pois, com certeza, se soubessem não permitiriam.

Reviramos os guarda-roupas de nossas mães e tias. Foi nossa semana de glória.

Para nós duas, tudo se passava como se fosse a festa do século!

Chegou o grande dia. Nosso plano começou a entrar em ação.

Conforme minuciosamente tramado, ela disse aos pais que viria na minha casa fazer um trabalho de escola que deveria ser entregue na segunda-feira. Meus pais foram numa festa de família e eu, como uma filha muito estudiosa e aplicada, não poderia ir com eles pois, infelizmente, eu tinha que ir na casa da Sandra fazer o trabalho escolar. Meus pais mal saíram, a Sandra entrou, tirei o telefone do gancho para não receber chamadas dos pais dela. E começamos a nos produzir em alto estilo para a festa.

Nossa euforia subiu na estratosfera! Deu tudo certinho!

Saia rodada, meia soquete e sapato baixo, laço de fita na cabeça, maquiagem copiada de revistas de época, simplesmente tudo, nos mínimos detalhes, perfeito para sermos as garotas-sensação da festa.

Pegamos o ônibus José Higino, na porta da minha casa e descemos uma quadra antes do salão Vasco da Gama na Rua da Mooca.

Quando estávamos na esquina do salão… eu me recordei de algumas maluquices que ela vez por outra aprontava e tive que lhe fazer a pergunta fatal:

– Sandra, você foi convidada para a festa? Por quem?

E exibindo a expressão de uma santa que acabara de sair do convento ela me respondeu:

– Não.
– Quem é a aniversariante

E ela meneando a cabeça, disse com os lábios semi-fechados: – Não sei. Um conhecido meu comentou comigo.

Ma nessa ora(!) me quiria ischiafar quela filha dium cane! Só num garrei ela pelos cabelos perquê me tive tanto trabalho pra arrumá quela cabeleira toda! Ma me segurê ela pelos braço e dice:

– Má só alora me conta questo absurdo! Perquê num me dice antes?
– Ma non me fica ansim! Ocê nem me perguntou, qui curpa io tenho?

Roxa de raiva eu falei: – O qui vamu fazê numa óra dessa? Ói só pra mim, vestida deste jeito, nem me posso ir pra outra festa agora! Bom… já qui num tem mais jeito, vamu enfrente e lá ocê me explica direitinho essa istória.

Fiz então ela me prometer que entraríamos na festa o mais discretamente possível e ficaríamos num canto meio escuro sem fazer alarde para ninguém desconfiar que éramos penetra. Nosso sonho de sermos as garotas sensação da festa em segundos foi por água abaixo.

Mal demos dois passos adiante, vimos vários rapazes na porta do salão, aglomerados de forma a obstruírem parcialmente a entrada. E agora!? O que fazer?

Combinamos então que entraríamos de cabeça erguida e pé firme, pois certamente eles iriam mexer conosco, mas não daríamos bola, faríamos de conta que os rapazes da porta não existiam. Assim não despertaríamos ciúmes nas meninas da festa e a aniversariante não se daria conta de nós duas. E assim fizemos.

Ao passarmos pela porta do salão, dito e feito, os rapazes mexeram conosco, e quanto mais fingíamos que eles não estavam lá, mais e mais coisas provocantes nos diziam. Eu já tinha ficado roxa, amarela, vermelha, verde, um arco-íris inteiro, mas não perdi o rebolado, e segui adiante com pose da garota mais pernóstica e difícil que poderia existir.

Ao entrarmos, para nossa maior decepção, o salão ainda estava vazio e a terrível constatação foi imediata: além de penetras, éramos as primeiras a chegar.

Um daqueles rapazes, com ar inconformado, me seguiu sem desistir. Eu fazia de conta que ele não estava lá e apertava o passo, e ele também; ia pra direita e ele também; mudava a direção e ele também. Até que no meio do salão ele me cutucou nas costas e me segurou pelo braço.

Nesse momento não tive outra alternativa a não ser parar, virar e olhar para ele; aproveitei a deixa para, com muito desdém, indagar o porquê que ele tanto insistia em me importunar. Ele me respondeu:

– Só quero saber quem você é.
E eu falei bem grosseiramente, objetivando que ele desistisse de vez da paquera: – Não é da tua conta.

Sem se intimidar, o pretenso “John Travolta”, ainda me segurando por um braço para eu não fugir, me estendeu a outra mão para me cumprimentar:

– Prazer! Sou o aniversariante.

Se na porta do salão eu já tinha ficado um arco-íris inteiro, a essa altura eu não tinha mais cor para exibir na face; eu só desejava ser um avestruz e matar a Sandra. Porém, completamente sem graça tive que levar a cabo aquela E os amigos deles atrás de nós, fazendo gozação aplaudiram fazendo coro: “Aeeee!!! Conseguiu!”.
O aniversariante não deixou passar em branco os meus desaforos, com muita classe pergunto
– Só por curiosidade… quem te convidou ?
– Foi minha ami… – Olhei para o lado, para atrás, virei 360 graus duas vezes e a disgraziata da Sandra tinha desaparecido completamente e eu gelada da cabeça aos pés levei quase 5 minutos para completar a palavra – …ga.

Pedi desculpas e lhe disse que eu iria localizar minha amiga e iria embora. Para minha maior surpresa, ele foi muito gentil e me deixou a vontade para eu permanecer na festa.

Quase uma hora após é chi quela maledeta da Sandra me sai do esconderijo, como se nada tivesse acontecido e ainda nem fazia idéia quem estava fazendo aniversário.

Orra meu!!! Ma me fala si non é pra lê metê o pao de macaron nas venta??!!!! Ela só me iscapô perquê nosso plano final deu certo:

Apesar dos trancos e barrancos, fomos a sensação da festa!

P.S. Belô! Per favore, si ocê for quelo aniversariante, me convida pra próxima festa, perquê acuela foi belíssima e inesquicibile!

Silmara Pezzoni Annunciato (*)
(*) Advogada, jornalista e poetisa desde os 12 anos. Nasceu na Mooca em 03/10/1967, onde cresceu e viveu três décadas, vindo depois a transferir residência para Florianópolis/SC em 1999. É fundadora da Sociedade dos Poetas Advogados de Santa Catarina (www.poetasadvogados.com.br).
Pertence à quarta geração de mooquenses. Seus bisavós, após saírem das colônias italianas nas fazendas de café em Ribeirão Preto/SP, fixaram-se na Mooca. Francisco Anunziatto, bisavô de linhagem paterna, morou na R. Visconde de Parnaíba, tinha carro de tração animal e comercializava frutas importadas nas regiões mais abastadas da cidade.
O avô paterno, Miguel Anunziatto (que também assinava Annunciato), filho caçula, foi o único dos 4 irmãos nascido no Brasil; criado nas colônias, só falava e escrevia em italiano até os 12 anos, era leitor do jornal “Fanfulla”, editado em língua italiana, e repassava as notícias da Europa para vizinhos e parentes; tinha o ofício de sapateiro, que na época se tratava de profissão muito valorizada; ele fazia sapatos por encomenda, vindo depois a abrir uma loja de sapatos artesanais de confecção própria em sua casa situada na Rua Natal, em 1966; essa rua logo se tornou uma referência comercial no ramo de sapatos na cidade. Com o advento das indústrias de calçados, os artesãos perderam seu espaço no mercado e os sapateiros ficaram restritos a consertos.
Seu avô materno, Silvio Garcia Pezzoni, dentista, tratou dos mooquenses na última quadra da Rua da Mooca, nas décadas de 1940 e1950.

“A história de meus antepassados, de minha infância e minha vida ficou nos passos dados no paço Mooca”.