NAS  PEDRAS

Foi lá no Ipiranga

que eu nasci

e dei meus primeiros passos

libertários.

Já na Mooca

longínqua Mooca

da vila de casas iguais

do chão das pedras

de paralelepípedos

me esfolava correndo

e a bola queimava as meninas.

As pernas altas me faziam voar

no jogo, no sonho

por cima de tantos telhados vermelhos.

Quando acordava não sabia que dormira

e voando nem pensava em acordar.

A beliche era alta, meu cabelo bem comprido

e pelas frestas da veneziana espiava o mundo.

A iluminação da rua era tímida

mas nas noites de São João

as labaredas amarelas da fogueira

compensavam tudo.

Era criança e o vestido de chita

costurado pela mãe de um fôlego só

alegrava as pintinhas no meu rosto

e as chiquinhas no cabelo

chacoalhavam no ar.

Enquanto crescia

serpenteava meu bambolê na cintura fina

brincava de casinha, pega-pega

queimada e passa anel.

Pulava corda.

Os blocos de pedras amaciavam as passadas

das alpargatas sujas

e tinham cheiro

de garoa.

Não voltei na Mooca

fiquei na zona sul

e é gozado voltar, sem saber

à mesma vila de pedras cinzas, todos os dias.

Rosa Barros  junho/2020