(Antes, tudo acabava em pizza caseira…)

Em agosto de 2009 recebi um e-mail do amigo Luiz S. Saidenberg. O conteúdo da mensagem era sobre a cidade de Nápoles e sobre pizzas. O título era bastante sugestivo: “Em Nápoles, tudo acaba em pizza”.

Bastou ler o artigo e a minha memória adormecida levou-me aos tempos da minha infância e adolescência na Mooca. Lá se vão… Deixa pra lá! Foi entre os anos 50 e 60.

Na minha cabeça, ouço as vozes de mamãe, vovó e vovô. Fragmentos de diálogos, em dialeto napolitano, transportam-me à velha mesa da nossa cozinha. Cozinha perfumada com o cheiro das “pizze” (pizzas) que assavam ao forno…

Minha mãe aponta para mim e diz à vovó: “Chista creatura magna come fosse l’ultima volta in vita! Dio Santo!” (Este moleque come como se fosse a última vez na vida! Deus Santíssimo!)

Vovó rindo, colocando mais uma pizza sobre a mesa, diz: “Lascia stare, Annamarì. Che magne! A lui piace na pizza fatta dalla nonna.” (Deixa pra lá, Annamaria. Que coma! Ele gosta de uma pizza feita pela vovó) Rindo, ela coloca mais um pedaço no meu prato. E eu vou devorando.

Vovô olha para mim e cai na risada, dizendo: “La Madonna, ué! Come magna chist’animale! – ri mais ainda – Che mange! Pizza nunn’è nu peccato. È na indulgenza!” (Eta, Nossa Senhora! Como come este animal! Que coma! Pizza não é um pecado. É uma indulgência!).

E eu passei anos, todo o sábado, devorando pedaços e mais pedaços de “indulgências”.

Pizzas!… Com a lembrança desperta, a memória acena para o meu arrependimento. Arrependimento por não ter guardado entre as tantas receitas que gosto o “segredo” da massa da “nonna”. Uma massa fina, elasticidade perfeita, macia e com bordas crocantes…Adorava ver vovó fazendo a massa de pizza. Ficava ali como se a minha presença agilizasse a feitura da massa. Olhava a “nonna” com “uocchii pezzenti” (Olhos pidonhos). Mas amassa precisava ser sovada e ficar em descanso até crescer ao ponto de ser manuseada.

Eu lembro então, que a massa era a finalização da pizza.

A feitura começava na quinta-feira, quando íamos ao Mercadão comprar a peça mozzarella (fatiada era mais caro), encontrar orégano, o mais fresco possível (tinham mais sabor), “ulive grecce” (azeitonas gregas) e ver se o preço do “alice” (Aliche) estava acessível.

Na sexta-feira, idas às várias feiras-livres para comprar tomates moles (maduros, quase esborrachando). Compravam-se no mínimo quatro quilos.

Tomates que à tarde eram lavados, cozidos em água quente, depois, esmagados com as mãos e passados por uma peneira, para tirar a “pellecchia” (pele) indigesta e as sementes. Em um enorme caldeirão, colocava-se azeite em abundancia e fritavam-se alhos esmagados, cebola ralada, uma colher de orégano ou “rosmarino” (alecrim) – ia do gosto de cada um, sal, uma pitada de pimenta do reino ou pimenta vermelha. Depois o caldeirão era cheio com o sumo dos “pommodori” (tomates) e pelo menos, duas colheres de extrato de tomate para dar mais cor e uma colher de açúcar, para tirar a acidez. O molho ficava “appurando” (cozinhando) por horas, em fogo baixo, até reduzir-se o conteúdo à metade do caldeirão. De vez em quando era mexido com uma colher de pau. E, de vez em quando, para testar o ponto, molhava-se nele um pedaço de pão e provava-se. Pronto o molho, colocava-se em potes herméticos e reservava-se.

A consistência do molho no ponto era quase uma “mousse”. E os discos de pizzas não eram “pincelados” com molho, como hoje em dia. Enchia-se uma concha grande e despejava o molho no centro da pizza e espalhava-se com uma faca…

No sábado à tardinha, vovó abria a massa, uma a uma, com as mãos, rodava a pizza no ar para que ela adquirisse a forma circular. Ajeitava as massas nas formas de folha de flandres e as levava ao forno quente. Depois de um tempo, ela retirava as massas, colocava o molho, a mozzarella, o orégano,rodelas de tomates, as azeitonas e um fio de azeite e as massas voltavam ao forno. Pronto! As pizzas napolitanas estavam prontas para assar! Vez ou outra meu avô queria uma pizza Margheritta. Então, vovó ia ao fundo do quintal pegar algumas folhas de “basilisco” (manjericão). A pizza era a mesma. Apenas substituía-se o orégano pelo “basilisco”.

Enquanto elas assavam, mamãe arrumava a mesa. O vinho para os adultos. A jarra com suco de vinho (dois copos de vinho, um de açúcar e, o resto da jarra era completado com água gelada), o azeite, os copos e os pratos – que só serviam para apoiar os pedaços de pizza. Comia-se a pizza com as mãos. O quarto de uma pizza era dobrado ao meio, como um sanduíche e um pedaço simples era enrolado e enfiado na boca.

E o dia acabava em pizza! Ver um pouco de TV, mais tarde tomar banho e dormir. E enquanto o sono não vinha eu pensava no almoço de domingo. Seria Lasagna à bolognesa? Cappelletti? Gnocchi? Que surpresa nos fará a nonna amanhã?…

Pizza!… E pensar que só havia a pizza napolitana e a sua irmã mais nova, a de “alice”… Ai, a Rainha Margheritta di Savoia virou pizza e ganhou o mundo, e, o mundo ganhou novos sabores de pizzas.

E o Reino da Itália acabou em pizza, a ditadura do Duce (Mussolini) acabou em pizza e a Republica Italiana, com seu entra-e-sai de governos que sempre acabam em pizza, dia desses também vai acabar em pizza.

No Brasil – principalmente em Brasília – é politicamente correto, tudo acabar em pizza…

E as pizzas caseiras acabaram em pizzas encomendadas às cantinas e “deliveries”.

E eu, espero que o mundo termine em pizza. Assim, eu morro feliz!

Wilson Natale