“Mas você não vai assistir ao jogo do Palmeiras?”, perguntou meu pai, incrédulo. “Hoje, o Juventus é a prioridade”, expliquei com serenidade. Se o Palmeiras vencesse seu jogo contra o São Caetano, garantia matematicamente sua ida às semifinais do Campeonato Paulista. Se o Juventus derrotasse o Guarani, afastava de vez o risco de rebaixamento. Não titubeei. Botei a camisa do moleque travesso e me dirigi ao estádio da Javari para acompanhar o dramático embate.
Deixemos o purismo de lado. Quem torce pelo Juventus, quase sempre também torce por outro time. Mas se você mora na Mooca, é obrigação acompanhar o desempenho do Juventus e, sempre que possível, ir aos jogos. Isso não é tarefa fácil, pois, como o estádio não tem iluminação, os jogos normalmente acontecem no meio da semana, em horário que todos costumam estar no trabalho. Quando o calendário ajuda, sobra um jogo numa manhã de domingo ou num sábado à tarde, como foi neste caso..
Comigo estavam o também palmeirense Rafael e o são-paulino Leonardo, que desde sempre moram no bairro. Mas existe uma lei tácita entre os torcedores do Juventus. Uma vez dentro da Javari não se pergunta, muito menos se celebra resultados de outros times. Desta forma, alguns poucos torcedores foram merecidamente vaiados quando comemoram o resultado parcial de 2 a 0 para o Palmeiras, anunciado pelo sistema de som.
Tudo indicava que seria uma tarde inesquecível. A torcida organizada Ju Jovem estava lá, o placar eletrônico funcionava perfeitamente e era possível ver jovens sujos com cara de Cinema da USP gravando um provável documentário. Logo aos 3 minutos de jogo, o zagueiro do Guarani foi chutar, a bola rebateu em Kanu e a bola entrou no gol campineiro. Aos 27, o mesmo Kanu, o atual craque do Juve, sofreu um carrinho no meio de campo e o juiz corretamente expulsou o jogador do Guarani. Fomos para o intervalo com o placar favorável e um homem a mais. Desta forma, para garantir os meus cannoli, nem me importei em enfrentar uma grande fila que tradicionalmente se forma ao redor de Seu Toninho.
Mas nem tudo era doce naquele sábado. O Guarani, que também corre sério risco de cair para a segunda divisão, voltou engajado a reverter a situação. Empatou aos 11, de cabeça, e virou a partida aos 34, num bate-rebate dentro da área. Até mesmo as irritantes meninas que gritavam durante todo o jogo como se estivessem num show da Xuxa desanimaram. Sem saber se apoiava ou elegia os culpados, a torcida do Juventus não arredava pé. Quando o adversário estava mais próximo do terceiro gol do que o Juve do empate, o juiz marcou falta na entrada da área do Guarani. O relógio apontava 47 minutos do segundo tempo. Dedimar bateu com categoria, tirou da barreira e empatou o jogo: 2 x 2. O estádio explodiu em euforia. Emocionados, velhos e garotos se abraçavam. Pais jogavam seus filhos para o alto.
Um minuto depois, Marcos Vinícius ainda perdeu um gol feito, acabando com a esperança de uma virada histórica. O juiz deu o apito final e os mais de 3 mil torcedores deixaram o estádio felizes com a reação, mas extremamente preocupados com o futuro. Semana que vem, o Juventus enfrenta o São Paulo. Se perder, praticamente dá adeus à elite do futebol paulista e retorna momentaneamente ao ostracismo. Enfrentando a lógica, o Juventus respira por aparelhos. Resta-nos a Copa do Brasil, o caminho mais curto para a Taça Libertadores da América. Já estamos na 2ª fase do torneio e vencemos o jogo de ida, contra o Náutico, por 2 a 0. Os mais otimistas acreditam que, se tudo der certo, no final de 2009, estaremos no Japão, disputando o mundial interclubes. Se a sorte não estiver ao nosso lado, voltaremos à estaca zero, ostentando com orgulho a camisa grená com o “J” no peito.
O Juventus se encontra à margem de um cenário preenchido por transações milionárias, interesses de empresários, emissoras de TV, jogadores ambiciosos. Talvez seja por este motivo que o clube sobrevive e continua a cativar os torcedores do bairro. Não me arrependi de ter deixado o Palmeiras em segundo plano, neste sábado. A Javari foi o primeiro estádio que fui na vida. Levado pela mão por meu pai e acompanhado por meus irmãos e minha vó Marché. Na época, xingar o juiz sem sofrer censura, cantar os hinos criados pela torcida e aprender a quebrar a casca sem perder o amendoim eram rituais de passagem. É o que pretendo fazer quando tiver os meus filhos. Sei bem que é só uma visão romântica. Mas é daquelas que seria uma estupidez abdicar.
Fabio Chiorino