(Homenagem aos 454 anos da Mooca)

A voz de Waldemar Leopoldo, mais potente do que a sirene do Crespi começa a testar o microfone na cabine de som. “Alô, tessssste” e botando pra tocar marchinhas de bandas militares norte-americanas. É sinal de que o Conde Rodolpho está em festa: Mão-de-onça, Brecha,Tanese, Minhoquinha, Rogerinho Santovito, Zanetti,Andes, Milton, Cosminho, começam a chegar. Festa grená no campo da Javari e no salão a orquestra ensaia o Hino:”Que belo time,que belo esquadrão…pararara…Juventus, Juventus, Nós estamo aqui (sem o “s” mesmo)”.

O som alto acorda o Antenor Burrão que sai buscar pão no Arnaldo, o Fantasma. E a Rua Javari toda desperta. Desde o Clark , passando pela pizzaria San Pedro, na Visconde,até lá na Taquari, perto da farmácia do avô da Soraya Ruffo, grande escritora , sensível porta-voz do nosso bairro.

Ela soube do evento, assim como todo mundo, porque saiu publicado em O Amigo. A galera da Almirante Brasil, Rua dos Trilhos, até as porteiras, na Ana Nery, Ameida Lima, e da Piratininga se prepara pra festança.

Estão chegando ao local o Altemar Dutra, o Mario Zan, o Sivuca, Hermeto Paschoal,Silvana e Rinaldo Calheiros, a Vanusa, Antonio Marcos e Wanderley Cardoso. Jerry Adriani, Jordans, e Jet Blacks virão também.

No Estoril, começam a sair os pedaços de pizza, (o Bimbar só abre à noite). O cheirinho de mussarela derretida já alertao pessoal da Orville Derby, da Jumana, e até da Conde Prates, para o acontecimento. Os trabalhadores da União chegaram cedo pra presentear o bairro com aquele cheirinho delicioso de café com açúcar saindo pela chaminé.

Os funcionários da Fundição Brasil, da Benacchio, e da ferrovia começam a subir nos ônibus fretados pela Breda para se dirigirem para a festa. Também a turma da rua do Hipódromo, da Distrital deixa as quadras esportivas para correr até a Paes de Barros.

Os corações e as mentes se inspiram nesta data. Maria Adelaide Amaral abre a máquina e começa a escrever. A Táta Amaral também. Já pensam no próximo roteiro que virá depois da grande festa.
Na loja dos Turcos o movimento aumenta. A venda de roupas femininas e de camisas social também.

A Falgetano, a Scatamacchia e a Cry’s calçados começam a vender sapatos de festa, scarpins para o baile, tênis para a gincana da Pepe, sapatinhos brancos para os anjinhos que sairão na procissão.

Eu dou uma passadinha no seu Mario charuteiro, meu caminho para comprar pão no Di Cunto. Sempre paro para trocar idéias (fazer algumas reflexões sobre a vida, a espiritualidade humana e nossos sonhos de uma vida melhor para o bairro), com meu amigo Aníbal, o Babu, da Pepe legal. Por ali, sempre passam o Zé Índio e o Maurício, o Roberto Japonês,e toda a gente que adora bater um papo com o Babu, nosso filósofo idealista de plantão. E também para saber onde será o baile. O Babu sempre sabe de tudo. Está sempre mexendo os pauzinhos para melhorar a vida da Moóca. Acho que ele sempre terá amigos por perto. Ainda mais nesta data!

Toninho Bola Murcha e o Ricardo abrem mais cedo a loja do seu Pepinão. A Cantina San Marco, a Mi Piace e Buonna Sera, vão vender muito mais polpetones e pasta, por causa da comemoração.

O Mario Previatto, relojoeiro, nunca vendeu tanto presente, nem no mês de dezembro, quando o Papai Noel passa o dia na loja, ouvindo os pedidos das crianças para o Natal.

Volto com minha bandejinha com sfogliateles de creme e de ricota e bombas de chocolate que trouxe do Di Cunto. Paro mais um pouquinho na Dona Norma, sempre alegre, arrumando a loja. Sorrindo, ela me conta que não vê a hora de ir para a festa. Marinho procura uma camisa de gala. Todas as mulheres se enfeitam na Nair, ou na Adelina, cabeleireiras.

A loja do sr. Olmos fecha bem cedo,para todos poderem comparecer ao evento.

Seu Carilo, a família pé-de-pato, o Zeca, Paulina, dona Otilia, a Nena, (menos o La Barca que está lutando na televisão com o Ted Boy Marino, contra o Carnera), se arrumam para irem juntos.

A turma do Oliveira, o time todo do Parque da Moóca, o goleiro Félix, e até a Miriam Batucada engrossam o movimento na Borges de Figueiredo e na João Antonio para seguirem juntos até a festa.

Hoje, nem o Moderno, nem o Icaraí vão abrir. A Rita Pavone, a Gigliola Cinqueti (com seu Dio Come Ti Amo), terão que esperar para cantar seus sucessos. No Patriarca, ia passar Marcelino Pão e Vinho, mas foi suspenso porque hoje o clima é de alegria. Suspenso também o Romeu e Julieta, porque o dia é de celebrar a vida.

O pessoal do Firmino, do São Judas, Brasilux, Oswaldo Cruz, MMDC, do Pandiá, e até as recatadas mocinhas do Santa Catarina, (enrolando a saia na cintura para ficar mais curta) vão para a Paes de Barros encontrar-se com a galera do Juventus Novo e do São Cristóvão que pela primeira vez estarão vazios, sem precisar atender alguém. A Holandesa fabricou mais sonhos de creme. A Antártica não dá conta de fazer tanta cerveja. E o Arthur Azevedo está todo enfeitado.

Na Pepe, o som das máquinas está infernal. Os carangos todos ficaram envenenados para arrombar a festa. A Metopau, também se apronta e desce a avenida.

No rádio, Walter Silva, o pica-pau grita: “Salve a Moóca!”, seu bairro tão amado que o viu crescer,e passar pelo Dom Bosco, pelo SENAI, até atravessar a ponte sobre o Tamanduateí e virar o primeiro Disc-jóquei de São Paulo. “A mais bela voz do rádio brasileiro”, segundo o Boni, da Globo. Picapau sempre carregou no peito o amor pelo bairro que tanto homenageava e defendia nos microfones por onde passou.
José Magnoli, que virou Hélio Ribeiro, também acordou com aquele vozeirão e botou pra tocar Sergio Reis, Joelma, Carlos Lombardi, Trio Esperança, gente do bairro. Silvana, Rinaldo Calheiros, Ari Sanchez, Golden Boys,Marta Mendonça, Silvinha, Eduardo Araújo, e até o Ed Carlos, que vem da Vila Mariana pra prestigiar. Todos vão cantar quando chegar a hora.

Na Canuto Saraiva, no Largo São Rafael, a criançada corre para pegar os últimos santinhos distribuídos pelo Padre Valentim antes da missa. Até os casais de namorados que trocaram carícias, escondidinhos, atrás da igreja. Até o pipoqueiro e o vendedor de amendoins e de tremoços chegaram mais cedo.

Lá no Alto, Na Bom Conselho, todas as mães, da Fernandes Falcão, Cuiabá, Rua do Acre, arrumam seus filhos com as melhores roupas. O pessoal do IAPI, do IAPETEC, da Tobias Barreto, da Oratório e da Mem de Sá, começa a chegar na maior animação.
As normalistas do Colégio, as solteironas por opção e até as faladas porque namoravam dentro de carros, neste dia podem caminhar juntas em direção à festa.

As beatas, ratazanas de sacristia, as verdadeiras esposas, as mães de família, as mulheres que passam a noite no Esso Clube, as que dançam no Tobias Barreto, as virgens, as nem tanto, mas que estão noivas ,e todas as que vão se casar, hoje podem andar juntas. Moças prendadas, moças feias, velhas bonitas, as bem vestidas, as mal-arrumadas e todas as mal-amadas se encontram hoje para comemorar.
Os homens fiéis às esposas, os fiéis ao trabalho, os leais às partidas de bocha, de dominó, sinuca, e os que vivem de pijama jogando truco, também se vestem para a festa.

A rapaziada que gosta de luz negra,os que amam estroboscópica, cuba-libre,jovem guarda, rock balada e a moçada do reggae, do cigarro de índio, do ping-pong tutti-frutti; do Q-Suco, do rabo-de-galo com ovo colorido;do coturno e coca-cola; a turma que gosta de andar com terço e a bíblia; as meninas que bebem no gargalo e as que só tomam Guaraná, também vão. Todos juntos.coisa rara.

Somente hoje, os fã-clubes do Sunday, Menphis, Pholhas, do A TUCO, se unem para escutar os gatos do SUN 7 tocarem e o Zé Américo cantar “Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones” pra arrancar lágrimas da gente. Si piange, si ride. Serão lágrimas de saudade, de felicidade, de alegria por termos todos a mesma origem. Nascemos aqui. E mesmo quando partimos, e até quando tentamos fugir, nossa alma continua aqui.

Hei, Jude, Hey Joe! Alô Concetta! Roberta, Ascolta mi! Alô, Alô Terezinha! Ei Bella! Ragazza!
Good Morning Starshine! Oh Sole Mio! Champagne !
Here Comes the Sun! Let the Sunshine In!

Ei Moóca, Acorda! Hoje é Seu Dia!

Celina Silva

Obs do Portal da Mooca : Celina Silva é filha do radialista Walter Silva, mais conhecido como Pica Pau, cuja história encontra-se na seção “Famílias e Personalidades” do Portal da Mooca