“A Mooca nasceu de um antigo caminho de tropeiros do século XVIII, através do loteamento de chácaras limitadas pelo Clube Paulistano de Corridas de Cavalos, freqüentado pela aristocracia paulistana do período. Nos anos de 1920, a região era servida por uma linha de bonde de tração animal e pela Estrada de Ferro São Paulo Railway, que partia da Estação da Luz. O traçado da ferrovia atravessava a terra paulista facilitando o escoamento do café das fazendas entre Jundiaí e Santos. O tempo exigiu a construção de pontes sobre o Rio Tamanduateí (1872-1875), unindo o bairro ao Cambuci e ao Ipiranga.
No programa urbanístico regional, uma área ajardinada – o Parque D. Pedro II – integrava a várzea do Carmo à cidade. Em 1877, quando a Central do Brasil incorporou a São Paulo Railway, as chácaras de José Seabra e Bento Pires de Campos, nas várzeas do Rio Tamanduateí, foram valorizadas e loteadas[1].
O projeto urbanístico de 1891, que pavimentou o antigo eixo – a rua da Mooca – integrava a várzea ao centro da cidade. Em 1898, as obras de aterro e aprofundamento do leito do Tamanduateí favoreceram a implantação de ferrovias e fábricas, transformando a Mooca em parque industrial e operário.
A expansão da lavoura algodoeira no interior definiu a função têxtil do bairro, constituindo o expressivo Cotonifício Crespi, no ano de 1897. Ao lado das tecelagens, a Cia. Antártica Paulista, a Calçados Clark (1905), a Lorenzetti (1923) e a Cia. União dos Refinadores (1929) se instalaram no bairro. Residências simples e geminadas, construídas em torno das indústrias foram as moradias dos imigrantes italianos e espanhóis, primeiros trabalhadores dessas fábricas. A população de São Paulo, que em 1812 era de 31.885 habitantes, passou, em 1910, a 375.439 habitantes. As condições de vida e trabalho do imigrante-operário, no período, não eram boas. A inexistência de leis trabalhistas permitia que os trabalhadores ficassem à mercê das arbitrariedades patronais. A labuta de 16 horas diárias levava o operário a se alimentar e dormir nas dependências das fábricas. A presença de mulheres e de crianças nas fábricas favorecia mecanismos de exploração e rebaixamento dos salários. Parte dos imigrantes instalaram-se também em cortiços com péssimas condições de salubridade, ou em vilas operárias, construídas pelos industriais. A do Conde Crespi atendia somente aos trabalhadores qualificados.
Viver em bairros como a Mooca, Brás, Bom Retiro, Belém, Cambuci e Liberdade, próximos à Estação de Ferro Santos-Jundiaí, nas cercanias da Hospedaria dos Imigrantes, foi escolha natural da maioria dos imigrantes italianos, portugueses, espanhóis, sírio-libaneses (maronitas, muçulmanos e judeus), japoneses e outros, a partir dos últimos anos do século XIX. A entrada sucessiva de imigrantes da mesma origem favoreceu a formação de comunidades étnicas, onde valores, costumes e tradições típicas se fortaleciam, transformando as regiões citadas em verdadeira “babilônia” de crenças. Conquanto o grande número de igrejas revelasse uma maioria de católicos, mesquitas, sinagogas, templos budistas e centros-espíritas atendiam às necessidades espirituais de italianos, espanhóis, portugueses, sírio-libaneses, judeus e outros grupos de imigrantes que somando-se aos migrantes nacionais, tornaram a Baixa-Mooca um bairro-étnico por excelência.
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Nas ruas da Baixa-Mooca dos anos de 1950, a pequena circulação de automóveis permitia brincadeiras da criançada, sobretudo as partidas de futebol. Era comum a presença de verdureiros, peixeiros, carvoeiros, amoladores de facas e tesouras, pequenos ambulantes vendendo as spholiatelas, bijus e pedaços de pizzas. A despreocupação com o perigo e a segurança era geral, reveladas pelas portas destrancadas das moradias, fechadas somente ao anoitecer.
Até a chegada da Televisão, o rádio era o entretenimento diário das mães, envolvidas com as intermináveis e melosas novelas da Rádio São Paulo. A TV Tupi, a do indiozinho, nos envolveu desde o início, especialmente quando começaram as programações infanto-juvenis. O Sítio do Pica-Pau-Amarelo, diariamente apresentado pelo casal Júlio Gouveia e Tatiana Belinky, encantava-nos assim como, aos domingos, o esperado Teatro de Juventude. Desenhos do Tom & Jerry, do Pica-Pau e de outros, em branco e preto, junto com as revistas em quadrinho (compradas ou trocadas) completavam os momentos de lazer. Além desses programas, sessões Zig-Zag nos cines Santo António e Roma na Alcântara Machado, a Radial Leste. Não somente o Repórter Esso levava nossos pais para a frente da TV, mas as operetas e os clássicos da TV de Vanguarda, no antigo canal. Nos anos de 60 como adolescentes, tivemos o privilégio de momentos alegres e inesquecíveis como da construção de Brasília, amplamente divulgada pela imprensa mundial, pelas conquistas dos campeonatos mundiais de futebol, pelos festivais da musica popular brasileira e pelos bailes de formatura que embalaram as primeiras conquistas e namoros. A vivência das crianças se alternava entre a casa e a rua, espaço recreativo das famílias da Mooca, no período. A trabalhosa limpeza dos assoalhos encerados e a preocupação das mães em preservá-los, transformava a rua quase sem movimento de carros, em espaço aberto e livre. Futebol com bolas de meia, nos jogos com de bolas de gude, tampinhas, Bafo (bater figurinhas com as mãos) e o pião, jogado com maestria e precisão, eram as brincadeiras mais comuns dos meninos. Confeccionar e empinar pipas ou “capuchettas” era questão de criatividade e destreza. As competições envolviam a maioria das crianças da Coronel Cintra e adjacências, depois de findas as aulas do Brincar de casinha, confeccionando roupinhas para as bonecas, cozinhando, imitando nossas mães, eram atividades que nos envolviam, por horas. Pular corda, brincar de se esconder, de roda, pular amarelinha e jogar pedras (cúbicas e cuidadosamente escolhidas), eram as brincadeiras das meninas, nas portas de suas casas. Freqüentemente chamadas pelas nossas mães para compras e alguns afazeres domésticos, nós meninas, sentíamos certa inveja das livres e movimentadas brincadeiras dos meninos.
As dramáticas e divertidas enchentes do Tamanduateí
A instalação de novos estabelecimentos fabris e o aumento das moradias fizeram com que as regulares enchentes do Rio Tamanduateí se tornassem catastróficas. No verão, nos dias das grandes chuvas, as ruas da Baixa-Mooca paravam, à espera da elevação do nível do rio. Enquanto a água não atingisse a Rua da Mooca, as aulas prosseguiam. Barcos do Corpo de Bombeiros ajudavam as crianças a chegar ao Grupo Escolar Eduardo Carlos Pereira e ao Firmino de Proença. As aulas eram interrompidas quando não havia mais condições de passagem. Em casa, assistíamos à preocupação de nossos pais.
Assim que as águas baixavam, as famílias procediam à limpeza dos porões e de suas casas, cansadas de esperar pelos carros de limpeza da Prefeitura. Nesse momento, famílias se irmanavam e a solidariedade era total. A força da água e o seu refluxo, depois de horas e até dias, nos mantinha atentos e curiosos, e não impedia que divertidas brincadeiras nascessem nas ruas cheias de lama. Depois da limpeza, as aulas recomeçavam e a rotina voltava. A regularidade das catástrofes em bairro próximo ao centro da cidade trouxe enormes transtornos às autoridades municipais, que se preocupavam em desobstruir bueiros, enquanto os projetos de canalização do rio não se efetivavam.
A partir da década de 50, projetos de vias aéreas expressas foram concretizados. A atual Avenida Alcântara Machado, a Radial Leste, terminada em 1957, interligou o centro da cidade aos bairros da região leste, em expansão. A antiga rua Mem de Sá, travessa da rua da Mooca, dividida pela Radial Leste, separou a Mooca do Brás.
Essas e outras transformações alteraram a configuração do bairro e a decisão de seus moradores. Famílias dos primeiros imigrantes transferiram-se para outros locais, em especial ao Alto da Mooca, Brás, Belém e Ipiranga.
Autora: Rachel Mizrahi
Trechos do livro Do Mascate Ao Empreendedor – Uma Família Da Antiga Mooca
[1] Maria Vaz Rodriguez (coord). Memória e História. Secretaria da Cultura do Município de São Paulo. São Paulo: Divisão de Iconografia e Museus, 1987.