Apesar de muita gente pensar o contrário, nossa querida República da Mooca não é povoada apenas por “oriundi”: italianos e seus descendentes. Temos alguns portugueses, principalmente nas maravilhosas padarias que vendem do singelo pãozinho francês até frango com farofa (franguinho de televisão de cachorro como é conhecido em nossas províncias), roscas doces fantásticas, brioches e croissants dos deuses e uma decepcionante pizza. Quem um dia teve o sublime prazer de saborear as maravilhosas pizzas elaboradas na Pizzaria São Pedro, na Rua Javari, e da não tão famosa mas insuperável (essa é minha modesta opinião), Pizzaria do Ângelo, na Rua Sapucaia, sabe do que estou falando.

Aos que não conhecem esses dois produtores de prazeres gustativos em forma de massa redonda coberta por divinos recheios, meus sentimentos. Se você é daqueles que se satisfaz com massa fina, muitas vezes torrada, borrifada com molho pronto e certos absurdos como catchup, frango desfiado, milho e etecétera, me avise que vou retirar seu nome de minha agenda. Você não merece constar de minha lista de amici. Me atrevo dizer que sua vida poderia ter sido no mínimo muito mais feliz. Mas sempre há uma salvação. Basta me avisar que iremos juntos a uma delas. Você paga a conta, certo?

Voltando às nossas redondas:

-Dá pra imaginar um mundo mais perfeito do que aquele que tem pizza, sexo, futebol e cerveja (não necessariamente nessa ordem)?!?

Bem, nossa turma tinha por hábito devorar pizzas quase todos os sábados à noite. Éramos dez, quinze, vinte comensais. Verdadeiros gurmês da pizza (se é que isso possa existir). Como vinha dizendo, todos os sábados, sorteávamos uma das famosas pizzarias e passávamos bons momentos saboreando aqueles manjares triangulares, regados com um belo azeite, e acompanhados, evidentemente de muita cerveja e cantoria.

Certa feita, um certo José Sayeg, o Zé Turquinho, descendente de legítimos libaneses resolveu abrir uma pizzaria. Ficamos todos atônitos mas, como o Zé Turquinho era amigo, demos nosso apoio!

Ficou combinado que antes da inauguração, nossa turma seria convidada para provar as pizzas elaboradas na nova casa.

Sayeg alugou uma bela casa pertinho da Pizzaria São Pedro e da famosa Rua Javari onde se encontra o campo de futebol do glorioso Juventus.

Após uma reforma de três meses, num belo dia recebo um telefonema do Turquinho:

-Alô, brimo?

-Fala Turquinho, o que você manda!

-Prepare o bucho. Vou fazer a pré-inauguração da pizzaria nesse próximo sábado! Avise a turma!!! Tudo free!!!

Imediatamente liguei pra todos e nos preparamos para a boca livre.

Sábado, oito da noite, a italianada toda na porta da pizzaria do Sayeg. A porta de metal se levanta e…Primeira surpresa da noite. A casa se chamava Pizzaria Cedro do Líbano, e entre aspas o slogan: “aqui é tudo bahani”.

A entrada parecia uma tenda árabe, com direito a treliças, véus e iluminação de lamparinas. Pra ajudar o clima, um forte cheiro de incenso invadia o ambiente.

Entramos meio desconfiados e dirigimo-nos para uma mesa baixinha (devia ficar a 40 cm do chão). Ao redor dela, ao invés de cadeiras, almofadas. Meu primo Gaetano muito desconfiado disse:

-Dio Cristo, ma isso é uma pizzeria ou uma casa de massagens?

Nisso, ouve-se uma música árabe e adentra o salão, rebolando feito doida, uma senhora de uns 160 kg, vestida com véus e um tipo de biquíni dourado. Turquinho olhou pra gente com muito orgulho e disse:

-Minha tia Ione vai dançar pra vocês. Essa é a dança do ventre!

Haja ventre! Aquela senhora balançava suas carnes envoltas em muita celulite com um entusiasmo que eu nunca havia visto. Numa manobra mais ousada, começou a tirar os véus. Aproximou-se de nossa mesa e arrancou o sutiã. Seus seios enormes caíram sobre a cabeça do nonno Gennaro. O velhinho aplaudia e tentava beijar aquele verdadeiro úbere com um só bico.

Nisso Zé Turquinho grita:

-Adesso, iamo mangiare!!

A primeira pizza que trouxe, era feita com um queijo esquisito, muito mole e meio azedo, salpicado de pistaches. Zio Domênico logo reclamou:

-Ma que catso é questo?

Ao que o Turquinho respondeu:

-Pizza de coalhada seca!

-Coalhada? Ma isso é coisa de por em pizza?

A essa altura, a dançarina do ventre rolava aos beijos  e semi-nua com Nonno Gennaro. Aliás, ele havia sumido debaixo daquela opulenta espécie feminina. Eu só ouvia Tia Ione gritando:

-Da moheaanni, da moheaanni!

E o nonno:

-Eu também, to quase, to quase.

Bom, o Turquinho que havia sumido aparece com outra pizza e novamente Zio Domênico:

-Io non credo! Cadê o molho, cadê a mussarela?  Que pizza é questa, de verdura e sem molho?

E o Sayeg:

-É de folha de uva com zátar!

-Mas essa porcaria é seca! como vou engolir isso?

-Prepare-se para a próxima. A estrela da casa! disse o Turquinho todo orgulhoso.

E não é que ele vem com outra pizza esquisita! Aí quem reclamou fui eu:

-Orra Turquinho, agora você se superou! Pizza de carne moída????De boi ralado!?!?

-Claro, é a melhor de todas. Na minha terra só se come dessas!

-Então enrola essa pizza e enfia lá que eu vou embora!

-Mas você não vai nem esperar a de chanklish?

-Vai se catar. Monta uma casa de esfiha, pô!!!

Arranquei o nonno Gennaro debaixo daquelas carnes da Tia Ione. Ele estava vermelho como um peru, resfolegando e dizendo:

-Deixei a turca maluquinha! Mas, Turquinho, me explica o que é que quer dizer “da moheaanni” que ela tanto gritava? É tá bom? Tá gostoso? Vou desmaiar?

Ao que o Sayeg responde:

-Em nosso dialeto quer dizer “TÁ FORA”!!!

Saímos todos, muito decepcionados e fomos até a Pizzaria do Ângelo mangiare una vera Pizza, pra esquecer de vez aquela palhaçada que o Sayeg aprontara.

Na semana seguinte, passei em frente a pizzaria do Turco e vi que ele mudara o letreiro da fachada. Onde antes se lia Pizzaria Cedro do Líbano, agora era Casa de Esfihas!

Está lá até hoje. E posso dizer de carteirinha que é a melhor esfiha de São Paulo!

Luiz Antonio Caropreso