O homem que levou a Mooca à televisão e deu ao bairro projeção nacional morre aos 78 anos.

Rafael Luongo Cardamone fazia cara de durão quando visitava os administradores regionais da Mooca para encaminhar as reivindicações do bairro. Era a lâmpada de um semáforo apagada há vários dias, a falta de policiamento ou de varrição nas ruas, a demora na coleta do lixo. Raluca, apelido que deu a si mesmo com as iniciais do nome, era pau para toda obra quando o assunto dizia respeito à Mooca. Depois em casa, escrevia em lágrimas suas poesias e depois as distribuía via fax para os amigos. Às vezes telefonava para colher opiniões sobre os versos que fazia. “Ficou bonito ou não?” Perguntava. Claro que ninguém iria contrariá-lo. Eram versos lindos de fato. Na década de 1960 comandou a escuderia Pepe Legal que participava da Gincana Kibon, um programa de TV comandado hora por Hélio Ansaldo, hora por Raul Tabajara ou Murilo Antunes Alves, mas sempre na Record.

A produção pedia coisas do tipo: uniformes da Estrada de Ferro São Paulo Railway, medalhas ou troféus de algum campeão brasileiro, comendas honoríficas de paulistanos ilustres e outras coisas mais. Quem trouxesse primeiro ganhava pontos e os vencedores doavam os prêmios a instituições de caridade. Certa vez, Raluca precisou subir na torre de uma igreja para capturar uma coruja em plena luz do dia, tudo para vencer a gincana e colocar a Pepe Legal no podium e a Pepe Legal sempre vencia.

O sucesso era grande, moradores de outros bairros queriam de algum jeito a participar. Gente do Brás, do Ipiranga, da Vila Prudente queria fazer parte da escuderia. Certa vez o grupo musical The Jordans visitou a Inglaterra e aconteceu um encontro informal com os Beatles. Um dos integrantes da banda brasileira que também é da Mooca vestia uma camiseta da Pepe Legal e as fotos foram publicadas em jornais, fazendo com que a escuderia se tornasse conhecida no Brasil todo.

Foi então que os representantes dos estúdios Hanna & Barbera, detentora da marca Pepe Legal, procuraram a escuderia e todos acharam na Mooca que algo de ruim pudesse acontecer. Pepe Legal era um herói dos desenhos animados, um cavalinho branco, de chapéu, revólver e cartucheira. Certamente cobrariam royaltties pelo uso indevido do nome e todos já preparavam uma explicação, mas na verdade o que ouviram foi elogios e agradecimentos por terem tornado o personagem do desenho, marca famosa e líder de audiência. A Pepe Legal virou uma febre e durou enquanto o programa de gincanas da TV Record esteve no ar. Restou como lembrança da época, o rosto do cavalinho esculpido no Monumento a Anchieta, localizado entre a Avenida Paes de Barros e a Rua dos Trilhos.

Raluca, também era considerado o embaixador dos Estados Unidos da Mooca pelo fato de dizer a todos que se o mundo fosse dividido, não em países, mas em bairros, a paz estaria consolidada. “Sim, porque as distâncias seriam maiores e não haveria como invadir as terras alheias sem incomodar a vizinhança”. Rafael Cardamone foi um dos primeiros a chamar a Mooca de nação, por isso era o embaixador. Para enaltecê-la dizia “Bairro é bairro, Mooca é Mooca, nada se compara.

Rafael Cardamone já vinha sofrendo há algum tempo. Primeiro fora operado de diverticulite, doença de políticos como Fidel Castro e Tancredo Neves. Depois passou a sofrer com a hipertensão, até que o coração se recusou a bater no último 30 de março. Raluca, que também era poeta, partiu. Tomara a Deus que um dia vire nome de rua, na Mooca, é claro.

Geraldo Nunes, escritor e jornalista, apresenta na Rádio Eldorado AM – 700 kHz o programa São Paulo de Todos os Tempos, aos sábados 21 horas com reprises no domingos às 6h e às 12hs.