Se o futebol não é o mesmo, a tradição do Juventus – se tratada como um fator estritamente temporal – é o que mais aproxima o clube dos grandes times da capital paulista. Mas, a peculiaridade apresentada pelo Moleque Travesso na relação com os seus torcedores difere da mostrada pelas equipes de Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Portuguesa.
Apesar de estes times terem suas imagens associadas a diversos bairros da capital, nenhum tem vínculo específico com uma só região como o Juventus tem com a Mooca. Isso faz de cada partida juventina um ponto-de-encontro de pessoas que perseguem objetivos e atrações diferentes.
Obviamente que a paixão ou pelo menos uma afinidade com o Juventus existe em cada torcedor que vai à Rua Javari, como é o caso das 564 pessoas que assistiram ao jogo contra a Ponte Preta nesta quarta-feira. Porém, a diferença na intensidade e na maneira de torcer é vasta.
Os berros que partem da arquibancada coberta do estádio Conde Rodolfo Crespi diferem em muitos aspectos. João Villa Leal, de 74 anos, é sócio do clube há mais de 40 e trabalha como comerciante. Ele prefere um estilo mais recatado e calmo, se relacionado aos seus companheiros de torcida.
“Venho aqui desde criança e sempre que posso vou aos jogos do Juventus”, disse. Quem pensa que ele aprova integralmente a maneira de assistir aos jogos está enganado. A diferença é que os incômodos sentidos por ele são imperceptíveis se comparados à vontade de ver o Moleque Travesso. “O campo é pequeno e o ambiente aqui é meio tumultuado, mas tá bom de qualquer forma”.
“Sou da Mooca e a maioria do pessoal que vem ao estádio acaba se encontrando depois na rua. O ponto ruim é que o time está fraco e o clube perdeu muitos associados”, resmunga.
Torcida de um homem só – A Ju-Metal é uma torcida incomum. Fernando Toro, de 24 anos, é o único integrante. O jovem, formado em publicidade, mas que está desempregado, chegou antes do jogo contra a Macaca e já foi esticando as suas faixas.
À mostra no braço direito uma tatuagem com o símbolo do Juventus. “A torcida só tem eu. Já chegamos a possuir mais caras, mas eles abandonaram (sic). A falta de dinheiro também atrapalhou, pois R$ 20 para comprar um ingresso, no Brasil, é algo inacreditável. Mas o problema é a vontade. Os outros integrantes não tiveram vontade de continuar”, disparou, em tom de profundo ressentimento.
Toro se posiciona atrás do gol adversário, junto a um monte de garotos que fazem um baita barulho com instrumentos de samba. Com as palavras de torcedor, Fernando deixa escapar também um discurso político. “É legal esse som, porque a gente gosta de barulho e canta junto. Pena que, no Brasil, as pessoas não conhecem muito o poder da voz”.
Durante o jogo, o torcedor não consegue esconder o nervosismo, principalmente quando o Juventus está mal. E acaba misturando os assuntos. “Como que temos confiança em um time ruim desses. Uma porcaria também é a Federação Paulista de Futebol, que já escolheu o Oeste para ser rebaixado”, frisou.
Quando o Juventus perdia a partida por 2 a 0, Toro cruzou com a reportagem da Gazeta Esportiva Net e, alterado, gritou: “Põe aí na matéria que só tem picareta nesse time”.
Festa da Macaca com um juventino – Não há alambrados para dividir torcidas adversárias no estádio do Juventus. Com isso, a torcida da Ponte Preta ficou em contato com alguns torcedores juventinos durante o jogo.
Mena, 75, diretor da Ju-Jovem, uma das maiores torcidas do time, assistiu a partida no meio dos ponte-pretanos, que fizeram a festa com o veterano torcedor. “Sou um torcedor-símbolo do Juventus”, diz, sem nenhuma modéstia. “Temos essa torcida há 18 anos e venho sempre neste estádio. Não há mal nenhum aqui em ficar com os torcedores da Ponte”.
Luciano Ferrari, um dos fãs da Macaca, mostra como é um jogo na rua Javari para um visitante. “O estádio é pequeno, mas dá para ver o jogo tranqüilamente. Eu já vim aqui em 1999. O problema, atualmente, é o preço”, lembra.
Os R$ 20 impostos pela Federação para se entrar em um estádio, aliás, foram uma reclamação constante. “Gasta-se hoje aproximadamente R$ 50 reais entre viagem e ingresso para vir de Campinas para cá. O certo era essa soma dar uns R$ 30, no máximo. Só vim porque a torcida da Ponte arranjou ingresso para mim”, disse. Luciano é produtor de banners e outdoors, mas atualmente está desempregado.
Canole – Uma tradição no estádio Conde Rodolfo Crespi é o comércio de Canole, um doce que já virou obrigatório para os torcedores do Juventus. Antônio Pereira Garcia, de 54 anos, vende há pelo menos 30 a guloseima e, atualmente, sustenta três de seus cinco filhos dessa maneira.
“Comecei a fazer canoles com dez anos. Aprendi com os antigos italianos da Mooca e me aperfeiçoei. Graças a Deus hoje eu consigo agradar as pessoas que vêm aos jogos”, disse, com muita dificuldade, em virtude das vendas incessantes.
No meio da conversa com a reportagem da Gazeta Esportiva Net, Roberto Pavão, de 46 anos, compra alguns doces. “Eu venho aqui para comer, não para ver jogo”, brinca. “Não sou um fanático torcedor do Juventus, mas sim meio juventino, meio palmeirense”.
Antônio reassume a palavra e conta como as vendas estão. “O movimento não abaixa nunca, porque aqui sempre vem o mesmo pessoal, com o Moleque (Travesso) bem ou mal. Os antigos preferem um jogo do Juventus a um clássico”, completa, com o seu cesto de isopor se esvaziando a cada minuto que passa, tamanha a popularidade dos seus doces.
Seu Antônio é a cara de um lugar que tirou de uma rua o status de via e deu à Javari a referência de ser um estádio de futebol
Matéria de Denis Eduardo Serio, publicada na GE.net