Eu sempre gostei de futebol. Desde os tempos de garoto.Nós morávamos na Rua Rui Martins, na Mooca. Aos sábados à tarde, ficava junto ao portão de minha casa, um tempão, apenas para ver os jogadores do Democrático F.C. passarem; uniformizados, como soldados que se dirigem a uma batalha. As chuteiras com as travas de ferro batendo contra o cimento da calçada se assemelhavam a acordes de um hino marcial. O campo de batalha era ali perto. Na Barroca. Embora, para mim, fosse inacessível. Meu pai não me levava. Talvez não gostasse de futebol ou não tinha paciência, jamais saberei. Mas às vezes ia com meu padrinho. E esse dia era uma festa! Quantos gladiadores, guerreiros que vinham das hostes do Juventude da Mooca, do Flor, do Madrid, do Danúbio Azul. Não os vi ali naquela praça de guerra de chão batido e vermelho a se engalfinharem na disputa da bola. E o verbo é esse mesmo: “engalfinhar-se”. Futebol de várzea é assim mesmo. Coisa séria. Luta-se apenas pela camisa que se defende e pelos louros da vitória. Pela honra: a sublime e inocente satisfação de vencer e mesmo que, às vezes, o seja a qualquer custo… Em verdade meu pai, creio, não me levava à Barroca por causa do receio das brigas que ocorriam em profusão. Afinal, era um campo de batalha.

Meu tio, irmão de minha mãe, era um desses valentes guerreiros. Zagueiro central do glorioso Paulista da Mooca. Ótimo jogador. Conseguia conjugar bem a virilidade, característica vital ao beque que impõe respeito, com uma técnica apurada. Chegou a treinar no Juventus. Mas os tempos eram outros. Dinheiro curto. Não se podia faltar ao trabalho para ir treinar. “Futebol é coisa de vagabundo”, dizia-se na época. Se isso era ou é verdade, não importa. O que vale é que ele trocou uma carreira de zagueiro promissor por um emprego de metalúrgico lá na Willis em São Bernardo e eu adorava ir aos jogos.

Uma vez fomos assistir, eu e meu padrinho, a uma partida do Juventus, na Rua Javari. Jogo de campeonato. Dia especialíssimo. Porque, além do jogo, fui ver o meu ídolo, Luizinho, que estreava no time grená. O espanhol “ esquentado” brigou com a diretoria do Corinthians e foi jogar no Juventus. Meu padrinho Felipe contou-me que o “pequeno polegar”, como ele era chamado, veio do Maria Zélia , um time de várzea do Belém, para o Corinthians, estreando no alvinegro no dia 28 de agosto de l949 em um jogo contra o São Paulo. Perdemos, mas ele fez o seu primeiro gol com a camisa corinthiana. Depois, ganhou a Pequena Taça do Mundo em 53; foi campeão dos Centenários em 54. Foi para a Mooca e lá ficou uns dois anos. Infelizmente, no dia de sua estréia, não fez gol e o moleque travesso perdeu para o Botafogo de Ribeirão Preto por 2X0. O seu lugar era mesmo no Corinthians. Mas ele só voltaria em 64 e lá ficaria até encerrar a sua carreira em 67. No fim de sua vida, a diretoria “de plantão” do clube presenteou-o com um busto de bronze no Parque São Jorge. Eu estava lá. O pequeno Luizinho chorava como uma criança. Não consegui aproximar-me dele. Mas no dia seguinte, fui ao clube e tirei uma foto, que guardo com carinho, abraçado à estátua do velho Luiz Trujilo.

Fiquei arrasado quando ele morreu em 98. Luizinho foi o meu primeiro ídolo no futebol. Posso te-lo visto passeando pela Rua Rui Martins, as “chancas” rangendo na calçada ou mesmo jogando lá na Barroca. Houve outros ídolos, mas poucos. Como deve ser. Os amores verdadeiros; sinceros são raros, quase únicos.

Richard Mascara