Os pais de Esvigio Concilio vinham de San Cipriano, aldeia próxima da Salerno, cidade campana situada a 80 quilômetros de Nápoles e enobrecida por catedral antiga que guarda no ventre uma jóia de escultura, púlpito soberbo, Entre a igreja de San Gennaro e a sé de Salerno há uma certa diferença, mas padre Esvigio jamais visitou a terra dos seus pais e, por isso, o seu limite artístico tem de ser o mastodonte gótico que se ergueu na nossa praça da Sé, sem desapreço pelas igrejas que os capomastri, levantaram em vários pontos da Itália paulistana. E os capomastri eram mestres de obras, ou nada mais que pedreiros, e conectavam a fantasia e a memória das igrejas das suas aldeias à ponta de um guarda-chuva, com o qual riscavam o chão, traçando ao vivo e na medida exata e total a planta da construção que se preparavam a erigir. O resto estava nas suas cabeças, e dava-se que já intuíssem, antes mesmo que se fincasse no espaço dos ventos, um templo ou um sobrado, mais ou menos como Michelangelo pressentia figuras dentro dos blocos de mármore de Carrara.

Assim se fizeram muitas igrejas, entre elas a Nossa Senhora Achiropita da Bela Vista, a Nossa Senhora de Casaluce no Brás , San Vito Martire e San Gennaro. Algumas mais ricas, ornamentadas com Festões moldados em gesso, outras nem tanto, ou francamente pobres, como San Gennaro, que foi pouco mais que um barracão por muito tempo. As paredes não tinham revestimento e o telhado lacrimejava a sua precariedade em todo canto, e não bastou, para compensar o acanhamento de tudo o mais, o esplendor de um altar, destinado a uma das capelas, e em fim mor, à vista da sua grandiosidade, doado pela condessa Marina Crespi. Pascoal Cataldi, hoje aos 63 anos, lembra-se do dia em que o altar chegou, importado da Itália, desmontado e acondicionado em caixotes enormes. Pascoal era menino, e recorda momentos de notável alvoroço e até de espanto, ao redor dos caixotes que se abriam para revelar a magnificência dos mármores. Em 1974, no entanto, pouco se avançara para tornar a igreja digna daquele altar, e padre Esvigio remoia uma insuportável melancolia. E então apareceram, para lhe dar luzes, os irmãos Iervolino, Alfonso Junior e Ângelo, e Gilberto Evangelista, homens práticos, católicos fervorosos e mooquenses ferrenhos. E se chegaram as três figuras corpulentas e piedosas, e Alfonso, que era o líder, disse com seu sotaque cantado em que vibram as reminiscências das inflexões do dialeto napolitano: “Padre Esvigio, o senhor vai disculpá, mas rifa dá pé, precisamo inventa outra coisa, grande, bonita, ótima mesmo”. E foi ai que surgiu a idéia da festa, “se non mi sbaglio parecida com aquela que se realiza em Nápoles no dia de San Gennaro”, e essa expressão, se non mi sbaglio, quer dizer se não me engano, e muitos mooquenses a usam, bem como outra, “se Dio vuole”, se Deus quiser, que está sempre na boca de Ângelo. E Deus quis, esta será sempre a versão dos irmãos Iervolino, e de Gilberto Evangelista, que desde então se revesaram na coordenação do evento, enquanto Pascoal Cataldi permanece no posto de tesoureiro, miudinho e aprumado, engolido pela sombra dos seus troncudos amigos.

Para Ângelo, não há dúvidas de que o pai da “idéia feliz” foi mesmo Alfonso, que por isso recebeu da Câmara Municipal a medalha Anchieta, ao passo que a festa era premiada com três estrelas no Calendário da Embratur, como grande atração paulistana no mês de setembro. Atração certamente: por volta de cem mil pessoas em 1981 sentaram-se às mesas armadas ao ar livre na rua San Gennaro, e gastaram, segundo anota Cataldi, 3,2 milhões em comida e 976 mil cruzeiros em rifas. Na venda de espaço para estandes de firmas que fizeram ali sua propaganda, e em outros patrocínios, arrecadaram-se mais 11 milhões. Gastaram-se na organização da festa pouco mais que 6 milhões, e façam as contas para chegar a um lucro de mais ou menos 9, enquanto sete anos antes não fora além de 73 mil cruzeiros. Com isso, as paredes da igreja foram revestidas, o telhado substituído, a instalação elétrica renovada, um bom dinheiro investido em obras assistenciais, e padre Esvigio pode pensar agora em outras reformas.

Autor : Mino Carta, do livro “Histórias da Mooca”

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