Quando passou o tempo de escola, a rapaziada deu para fazer footing, nas noites de sábado e domingo, entre a rua João Antonio de Oliveira e a avenida Paes de Barros, ou para jogar futebol na várzea, possivelmente no time de Salvador Sprovieri, que o chamara pelo o nome de uma dança da moda, Black Botton, com isso ganhando muito em reputação.
Na disputa do campeonato paulista, a Mooca já entrava com o Juventus, mas o pessoal era de paixão palestrina, que permaneceu, intocada, até os dias de hoje.
Poderosos quadros varzeanos eram o Mem de Sá e o Meu Clube, enfim fundidos no Mooca Atlético clube, o Xingu, em que militavam os irmão Iervolino, e o Madri, com sede social instalada no próprio bar Madri, na esquina da rua Xingu, mais tarde Dom Bosco com Ana Neri. Dali saíam para os embates domingueiros os seus craques do primeiro e do segundo time, vestindo os seus esplendorosos uniformes, tingidos com as cores da Espanha, roxo, amarelo e vermelho. Partiam a pé, no rumo do seu campo de terra vermelha a esperá-los nas cercanias do Balão de Gás, à Margem da Avenida do Estado, e o povo surgia emocionado nas calçadas e os moleques corriam atrás daquele majestoso desfile com as camisas cheias de vento. Durante a guerra, o Madri mudaria de nome, viraria Tigre Varzeano, e nas suas fileira militaria um mito, Mario Pescoço Torto, gênio da cabeçada para contrariar a natureza que lhe colocara a cabeça sobre os ombros de forma, digamos assim, irregular, como se Mario estivesse constantemente interessado na conversa de quem se postasse à sua esquerda.
O bar Madri e seu fogoso time tinham razão de ser, já que a rua Dom Bosco era terreno dividido entre espanhóis e Italianos, sem contar que desaguava bem defronte à Vila da Merda, cortiço de cem ou mais moradias, na Ana Neri, quase todo habitado por espanhóis, lá pelas tantas empenhados em mudar-lhe o nome para vila das Flores. Em vão. No último trecho da Dom Bosco, entre rua Lins e a Ana Neri, a repartição do espaço era perfeita: os espanhóis moravam de um lado, com a única infiltração dos Tottaro, donos de vendas de bilhete da loteria,e do carroceiro Muschitiello, e os italianos do outro. Estes levavam vantagem na língua, talvez porque possuíssem vozes mais volumosas, e o dialeto napolitano era o verbo oficial.
Os espanhóis, porém, restabeleciam o equilíbrio por obra do Madri, reconhecido como time de toda a rua, e da Zambomba, espécie de folia de reis organizada por um certo Campana ao som de pandeiro ciganos e barricas forradas de couro, cuícas gigantes de ronco grosso. A Zambomba, em ocasiões aprazadas, vinham cantando “abre la puerta, abre la puerta, que já quiero entrar”, e todas as portas se abriam, espanholas ou italianas tanto faz, e a cantoria invadia as casas e só se calava para que o pessoal tomasse vinho.
A Dom Bosco era uma aldeia encravada dentro da Mooca, nem mais nem menos que outras ruas, cada uma com vida própria e seus tipos característicos, como a Mariuccia Loca, que andava em andrajos e pedia às mulheres que faziam bordados para as lojas da rua Oriente: “Nanni”, me dá uma striscia? “ Queria dizer, uma tira de pano, e, sendo fita colorida, melhor ainda, e a mim me encanta que chamasse as bordadeiras pelo mesmo nome como se todas fossem Giovana, ou Giannina, cujo diminutivo há de ser, justamente, Nanní. Já na década de quarenta, Mariuccia esticava até a esquina da Barão de Jaguara com a rua da Mooca, onde a Destilaria Bandieri colocara um balcão para servir a sua última invenção, a passarella, mistura de pinga com uva passa, e copos de groselha, a inolvidável groselha Bandieri. O que movia Mariuccia era a esperança de ganhar um copo cheio, e tendo a crer que, sem subestimar a qualidade do refresco, ela tivesse maior consideração por um aperitivo que inebriou toda uma época.
Um dia, um japonesinho apareceu na rua Dom Bosco. Acabava de mudar-se para rua Ana Neri e seus pais eram fabricantes de bonequinhos de olhos puxados, destinados a habitar as cristaleiras da sala de jantar, entre miniaturas da Cinzano e flores de plásticos. Foi um dia de indescritível surpresa, mas logo o japonesinho entraria nas peladas da rua, sem que os seus novos amigos se dessem conta de que a Mooca não era mais aquela.
Autor : Mino Carta, do livro “Histórias da Mooca”
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