São Paulo já se delineava como locomotiva do Brasil desde o início do século 20. A cidade se consolidara como destino dos milhares de imigrantes que chegavam e naturalmente se instalavam em regiões próximas ao parque fabril em desenvolvimento, especialmente nos bairros da Zona Leste da cidade, principalmente Brás, Belenzinho e Mooca. Este último era um bairro Industrial onde os Barões do Café, grandes exportadores do produto, passaram a investir na instalação de indústrias dos setores têxtil, alimentício e de calçados, o que acabou atraindo outros empreendimentos para região.

Não por acaso, foi na Mooca que o industrial e comendador italiano Nunzio Briguglio Instalou a indústria Bandeirante, metalúrgica fundada em meados dos anos 40, que produzia parques infantis e outras estruturas metálicas, carros a pedal, triciclos, carrinhos de bebê, bicicletas e patins. Na sede da empresa, localizada na Rua Cuiabá, ficavam a área de expedição e uma pequena oficina de brinquedos; na rua Orville Derby 64eram fabricados os artefatos de borracha, principalmente bolas e pneus

A BANDEIRANTE E A INDUSTRIA DE BRINQUEDOS

Até a década de 30, a indústria brasileira era muito modesta, voltada para o mercado local. A produção de brinquedos, artesanal, era feita em pequenas oficinas com matérias-primas rusticas: a maioria das crianças brasileiras brincava com bonecas de pano feitas por costureiras e com carrinhos de madeira feitos por artesãos. Somente uma pequena parte da população de crianças tinha acesso a brinquedos importados da Europa.

Com a industrialização, o setor começou a se desenvolver mais efetivamente no período entre as duas guerras, quando a importação foi prejudicada e foram criadas condições para fabricar localmente artigos antes importados. Além das bonecas e dos carrinhos, algumas metalúrgicas fabricavam, também, bolas de borracha, patins e bicicletas. E foi a partir da associação com a antiga metalúrgica Industria Bandeirante, instalada no bairro da Mooca que, em 1952, a Brinquedos Bandeirante começou a construir uma história modelar, que se reflete em todos os seus brinquedos lançados ao longo do tempo.

Nessa fase – mais precisamente durante o governo de Getúlio Vargas – quando ocorreu um estreitamento das relações entre o Brasil e os Estados Unidos que resultou, entre outras medidas, no acordo de cooperação para a reformulação pedagógica da Escola Naval chegou ao Brasil o oficial da marinha norte-americana Charles William McKinney, convidado pelo governo para lecionar na referida instituição. Para surpresa de todos, terminada a sua missão, McKinney decidiu permanecer por aqui pois, além de ser apaixonado pelo mar, vislumbrou no potencial do País muitas possibilidades de expansão comercial para grandes empresas americanas.

Entre essas empresas, estava a tradicional loja de departamentos Sears Roebuck and Company, cuja instalação no Brasil contou com a participação ativa de McKinney. Além disso, ele também atuou como gerente de compras da empresa por seis anos, período em que manteve contato com fabricantes dos mais variados produtos, como Núnzio Briguglio, que instalara a indústria Bandeirante no bairro da Mooca. McKinney  viu no Comendador italiano e em sua metalúrgica a possibilidade de lançar-se em um novo negócio, que se mostrava bastante promissor: a fabricação de brinquedos.

UMA NOVA GERAÇÃO DE CRIANÇAS BRASILEIRAS

No começo da década de 50, o crescimento populacional de 3% ao ano apontava para o aumento do consumo e indicava presença em todo o Brasil de um número cada vez maior de crianças, que adquiriram uma nova condição. Sua vida se tornara separada do adulto, seu tempo para brincadeiras passava a ser respeitado e, na falta das amplas áreas rurais, os espaços urbanos, mais reduzidos, implicavam no aumento significativo do consumo de brinquedos, a cada ano. Somou-se a isso a grande reformulação pedagógica e educacional em curso, que introduzia novas ideias sobre a infância e reforçava a importância das brincadeiras e dos brinquedos no desenvolvimento das crianças.

Foi nesse contexto urbano e social que Charles William McKinney levou adiante seus planos de se estabelecer no ramo da fabricação de brinquedos. Associou-se a Howard Lester Bewick, engenheiro químico norte-americano que vivia no Brasil, e procurou Nunzio Briguglio para firmar um acordo comercial com a indústria Bandeirante. Entretanto, interessados somente na produção de brinquedos,  McKinney e Bewick propuseram a compra apenas dos equipamentos e maquinários específicos para esse fim e criar uma nova empresa, da qual a produção de patinetes, bicicletas e demais atividades metalúrgicas permaneceriam separados.

Assim, em 24 de junho de 1952, a Brinquedos Bandeirante S.A. foi constituída oficialmente, com a integralização de capital dos três sócios, sendo que McKinney foi buscar entre os norte-americanos presidentes e seus antigos contatos comerciais o grupo de investidores para completar o quadro de acionistas da empresa.

BRINQUEDOS BANDEIRANTE: BASES PARA O CRESCIMENTO,

A primeira sede da empresa ficava na rua Orville Derby 64, no imóvel de propriedade de Nunzio Briguglio, que recebia aluguel pela locação. Mas Bewick (que assumira a direção industrial da empresa) propôs, três meses depois, a criação de uma fábrica na Rua Cuiabá para que se pudesse ampliar a linha de produtos. O imóvel também era propriedade de Nunzio, que, após negociações, acabou se decidindo pela venda não só da fábrica e dos direitos de fabricação dos produtos como de todas as suas ações da empresa, encerrando assim a sua participação na Brinquedos Bandeirante.

No processo de instalação da nova fábrica, McKinney, então no cargo de diretor-gerente, saiu novamente a campo, restabelecendo pessoalmente seus contatos e procedendo a uma captação de recursos. Finalizada a compra, foram contratados técnicos norte-americanos especializados na produção industrial de brinquedos, que transmitiram conhecimentos e informações sobre o avanço e a visão da indústria de brinquedos nos Estados Unidos, bem mais desenvolvida do que a brasileira. Dessa cooperação, resultaram relatórios e orientações preciosas em relação à linha de produção, utilização das instalações e uso do maquinário.

Os esforços foram dirigidos para o aumento da produção de bolas de borracha e da produção de rodas. Também se decidiu ainda pela criação específica da sessão de parques infantis, aprimorando a produção dessa linha. Os resultados apareceram logo nos primeiros meses, principalmente devido ao bom relacionamento comercial que a Brinquedos Bandeirante mantinha com seus clientes. A produção da rua Orville Derby foi mantida até fins de 1953, quando a seção de borracha foi definitivamente transferida para Rua Cuiabá.

A Mooca dos anos 50, contudo, ainda possuía uma infraestrutura bastante precária frente ao acelerado processo de industrialização. Para não comprometer sua produção, a Brinquedos Bandeirante adotou medidas como a compra de um gerador para contornar a deficiência do fornecimento de energia no Bairro; além disso, investiu na reforma e na capacitação técnica das fábricas, com aquisição de novos equipamentos, especialmente para o setor de niquelação, em 1954.

PARQUES INFANTIS E BOLAS DE BORRACHA

Nos seus primórdios, e ao longo dos anos 50, Brinquedos Bandeirante fabricava produtos específicos para parques infantis, naturalmente em decorrência da área de atuação de sua associada. Eram longas peças metálicas, de diversas formas e tipos de jogos e, em geral, destinadas a escolas, creches, clubes e parques públicos – nesta época, os parques de diversões começaram a se popularizar. Porém, com a especialização da empresa em brinquedos sobre rodas, a seção de parques infantis foi relativamente desativada, ficando reduzida apenas a produção de balanços e gangorras, que continuou por décadas e permanece até os dias atuais.

As bolas de borracha foram enorme sucesso de vendas em toda a década, não só pela sua qualidade, mas também pela popularização do futebol. No entanto, com o aumento da demanda por pneus para os brinquedos sobre rodas, a produção dessa linha foi descontinuada. Estavam claros os rumos da empresa para os anos seguintes: os brinquedos sobre rodas.

Nesse sentido, a nova estratégia implementada na época foi acompanhada por um cuidadoso trabalho de criação e divulgação da marca, focado no conceito de popularização do brinquedo. O slogan “tão forte que passam de irmão para irmão”, que passou a ser utilizado em todo material promocional por toda a década de 60, transmitia os valores inerentes aos brinquedos da empresa, adequados ao novo perfil da população urbana e do público consumidor de diferentes níveis sociais, que via na resistência e durabilidade dos brinquedos uma forma de economia.

A previsão de crescimento das vendas confirmou-se nos anos seguintes, durante toda a década de 50; por outro lado, o aumento da demanda e consequente crescimento das vendas provocaram constantes gargalos na produção, denunciando a falta de espaço físico para ampliação de suas instalações.

A urgência por mais espaço para manter o ritmo de crescimento era indiscutível. As possibilidades de reformas, investimentos técnicos e aquisição de maquinários para modernização da produção já haviam sido esgotadas e os 6200 metros quadrados da fábrica e escritórios continuavam insuficientes para suportar as operações da Brinquedos Bandeirante. Finalmente, em setembro de 1962, confirmando a hipótese que já vinha sendo cogitada pela diretoria desde 1958, foi encontrado e adquirido um amplo terreno para construção de uma nova fábrica, localizado na recém-inaugurada estrada de Vila Ema, à beira do Córrego da Mooca.

Em meio aos processos de crescimento, mudanças internas e obras da fábrica da Vila Ema, a Brinquedos Bandeirante perdeu seus fundadores Howard Lester Bewick, em 1964 e Charles William Mckinney, falecido em 1967. Assim, durante esse período, foi realizada a primeira transição corporativa da empresa, cuja diretoria passou a ser composta por Pedro Pucci (diretor comercial), Cyro de Souza Nogueira (diretor tesoureiro) e Manuel Francisco de Almeida (diretor técnico).  Mckinney sempre incentivava os funcionários a adquirirem ações da empresa, pois acreditava que isso contribuía para motivá-los, favorecendo o crescimento da companhia. Tanto que, em 1965, dos 365 acionistas da Brinquedos Bandeirante, 148 eram funcionários.

VILA EMA, PRIMEIRO PLANO DE EXPANSÃO

A Brinquedos Bandeirante vivia um clima de muito otimismo pelo bom desempenho de todos os setores da empresa e pelas excelentes perspectivas de crescimento a partir da nova fábrica da Vila Ema. A partir de estudos, a diretoria previa a possibilidade de aumentar em seis vezes a produção da fábrica da Rua Cuiabá, de modo que até 1967 a da Vila Ema deveria estar funcionando plenamente.

O sucesso dessa iniciativa permitiu a aceleração das obras de modo que os setores da rua Cuiabá foram sendo paulatinamente desativados e transferidos para a nova fábrica, finalmente inaugurada em maio de 1967, conforme o planejado.

Um ano depois – em maio de 1968 – houve a mudança definitiva da sede social para o novo endereço da Estrada da Vila Ema 2208, ficando na Rua Cuiabá apenas o departamento de assistência técnica e a sessão de borracha transferida somente em 1970.

E assim, encerrava-se o ciclo da Mooca na história da Brinquedos Bandeirante, empresa que ao longo do tempo vem se fortalecendo continuamente mantendo, atualmente, dois grandes complexos industriais, na Vila Ema e Ferraz de Vasconcelos, sendo hoje um dos maiores, senão o maior, fabricante de brinquedos do Brasil.

Fonte : Brinquedos Bandeirante

Publicado em junho/2022