Pelé, o Rei do Futebol, o Craque do Século, etc,etc conseguiu a proeza, muito dificilmente igualável, de marcar ao longo de sua gloriosa carreira 1283 gols, a maioria dos quais de maravilhoso feitio. Mas, aquele que é considerado, inclusive pelo próprio autor, o mais bonito de todos aconteceu aqui mesmo, na nossa Mooca, e só pode ser visto por apenas algumas milhares de testemunhas, uma vez que, se existirem, jamais foram encontradas imagens filmadas desse verdadeiro marco histórico.
Dois de agosto de 1959. O acanhado estádio da Rua Javari apanhava um dos maiores públicos de todos os tempos : mais de dez mil pessoas para assistir aquele que já se antevia ser um grande espetáculo : C.A Juventus x Santos F.C.. Para quem conhece esse tradicional estádio vai conseguir compreender que somente encontravam-se sentados aqueles que chegaram muito cedo e conseguiram seu lugarzinho nas diminutas arquibancadas, inclusive uma de madeira desmontada alguns anos depois. Todos os demais espremiam-se em pé em inúmeras fileiras que iam das arquibancadas até o alambrado. E tente achar alguém que tivesse reclamado desse sacrifício, pois o que tiveram a oportunidade de presenciar compensou todo esse desconforto
Mas, para descrever o que aconteceu, nada melhor que o depoimento de um dos protagonistas desse espetáculo, o zagueiro Clovis, lamentavelmente já falecido :
“Chegamos até a comentar naquele dia, dentro do campo, que o Pelé estava meio “murcho”. A nossa torcida, sempre muito fanática, começou a mexer com ele. Não sei por que foram incomodar o diabo, “no bom sentido do termo”. Eram decorridos 36 minutos do segundo tempo e o Santos estava atacando para o gol dos fundos (aquele situado ao lado da Creche Marina Crespi). O Dorval estava na ponta-direita. Ele cruzou, a bola passou por cima da grande área. “Tira, tira. Cabeceia”, gritei. Quando a bola desceu encontrou o Pelé. Sem deixá-la fugir, ele, com um leve toque por baixo da bola encobriu o zagueiro Julinho que chegava para dar combate e em seqüência deu um chapéu no Homero. Fui para cima dele e também tomei o meu. Faltava apenas o goleiro Mão-de-Onça, que saiu para abafar a bola. O Pelé também deu um chapéu nele e completou o lance de cabeça, com uma lucidez impressionante. O fato teve um lado até engraçado. Tinha chovido bastante de manhã e havia uma poça d’água na pequena área. O Mão-de-Onça pegou só barro. Ele ficou com a cara sobre a lama”.
Além desse, outro acontecimento histórico ocorreu logo em seguida : o nascimento do famoso “soco no ar”, pois foi a primeira vez que Pelé comemorou o gol com esse gesto, conforme conta o próprio “ Rei” :
“Quando fiz o gol parti para cima da torcida, brigando. Não fui dando soco no ar para gritar gol. Fui xingando mesmo os caras e socando o ar, mas apenas para gritar gol. Um gesto que saiu sem querer, fruto de uma ira momentânea, acabou perpetuado depois apenas por um motivo: satisfação e alegria do dever cumprido. O Juventus era sempre um time difícil. Era jogo para ganhar de 1 a 0. Consegui fazer uma jogada bonita naquela tarde”
E uma cena de grande emoção se seguiu, pois todos os trocedores presentes, incluindo os jogadores, aplaudiram demoradamente o grande feito do eterno Rei do Futebol.
Como podemos comprovar por esse relato é profundamente lamentável que o mundo jamais poderá ver as imagens reais desse gol, tendo que se contentar com a versão criada em computadores para o filme da vida de Pelé, que nos dá a idéia de como o lance se desenvolveu mas, naturalmente, sem nos transmitir a emoção da jogada.
E, se você quiser saber mais a respeito e, inclusive todos os detalhes dessa partida Juventus x Santos, o Portal da Mooca conseguiu localizar em seus arquivos a matéria publicada em jornal daquela época, que você confere a seguir:
VITÓRIA JUSTA DO SANTOS NUM JOGO BRILHANTEMENTE DISPUTADO
JOGO: C.A. Juventus x Santos F.C.
LOCAl : Rua Javari
1˚ TEMPO : Santos 1 a 0. Gol de Pelé aos 23 minutos
FINAL : Santos 4 a 0. Gols de Pelé aos 8 minutos, de Dorval aos 27 e Pelé aos 36 minutos.
QUADROS :
SANTOS : Manga; Ramiro, Pavão e Mourão;Formiga e Zito;Dorval, Jair, Coutinho, Pelé e Pepe.
JUVENTUS : Moraes; Julinho, Homero e Pando; Lima e Clovis; Lanzone, Zeola, Buzone, Cássio e Rodrigues.
ARBITRO : Sebastião Mairinque – fraco
RENDA : Cr$ 622.225,00 (recorde de arrecadação no campo do Juventus)
ANORMALIDADES : Ao término do primeiro tempo, Lanzone deu um tapa na cabeça de Coutinho. Homero e Pelé foram atingidos durante o jogo e foram medicados fora do campo. Pando, atingido numa disputa de bola com Pelé, sofreu forte contusão deixando o gramado não mais retornando ao campo.
Todos aqueles que viram o Juventus jogar nesta sua nova fase de sucessos esperavam naturalmente do quadro da Rua Javari uma boa partida frente ao Santos, uma partida que talvez quebrasse a invencibilidade santista. Por esse motivo foi que uma grande assistência compareceu ao campo Mooca dando uma renda recorde, lotando completamente as dependências da pequena praça de esportes dos avinhados. . Na realidade o Juventus não logrou tirar ponto do campeão paulista.
Foi derrotado, mas verdade manda que se diga que o quadro dirigido por Bauer deixou muito claro a razão dessa sua boa campanha no presente campeonato. Jogaram muito os juventinos e em sã consciência não se podia pedir mais dos rapazes da Rua Javari porque o Santos estava num de seus grandes dias e jogou com a sua classe e hierarquia costumeira. Todavia, nisso vai o grande mérito do Juventus, teve de jogar como faz diante dos grandes adversários porque seu contendor de ontem jogou muito bem e vendeu cara a derrota. Não foi o Juventus uma equipe “ pequena” que procurou se defender de qualquer forma. Longe disso. Os avinhados jogaram conscienciosamente com a bola no chão, na base de passes curtos e jogadas hábeis, não permitindo que em nenhum momento se verificasse qualquer descontrole em suas linhas.
Um Primeiro Tempo Perfeito
Não cometemos nenhum exagero ao afirmar que os 45 minutos da primeira fase foram perfeitos. Jogo bonito, tranqüilo, bola sempre no chão, boa marcação e noção de passes excelentes. O Juventus foi nessa oportunidade um quadro do mesmo estofo técnico do Santos e se um ou outro jogador juventino se descontrolava e fazia uma jogada de má feitura técnica, também o Santos possuía em suas fileiras dois elementos que não andavam bem dentro do ritmo clássico da equipe e que se tornavam com certa freqüência autores de lances de má qualidade. Eram eles Pavão e Mourão.
Formiga Armou a Defesa Santista
Inegavelmente a inclusão de Formiga como quarto zagueiro, veio dar à defesa de Vila Belmiro melhor consistência, fortaleza, pois Ramiro em que pese o fato de não gostar de jogar como zagueiro lateral (ontem brilhou de forma categórica) , é um craque no posto e Zito foi então aproveitado em sua verdadeira posição, ou seja, como homem de meio de campo, quando pode então ter aproveitado a sua classe e categoria formando a dupla (que dupla) de armadores. Possuindo uma equipe assim entrosada e o ataque que tem, pode o alvinegro praiano jogar com a consciência de seu valor e de sua força. Isso foi por sinal, a razão fundamental de sua vitória, clássica, e categórica ante um contendor que possuía inegavelmente um bom time e que ante qualquer contendor poderia almejar, sem que isso pudesse ser considerado como um exagero, uma vitória.
Não teve o Santos temor do adversário, começou jogando dentro de seu padrão e ritmo costumeiros, acionando a bola sempre rente ao solo, passando de primeira e com isso procurou envolver o Juventus. No entanto, para surpresa geral, reagiu o quadro local, jogando dentro do mesmo padrão, fazendo alarde de um bom nível técnico.Tivesse o quadro líder do certame menos segurança, menor confiança em seus próprios recursos e por certo se sentiria tolhido em seus movimentos. No entanto prosseguiu o Santos jogando com o mesmo acerto e o quadro avinhado começou, mesmo jogando bem, a se preocupar com seu sistema defensivo, recuando Lima e Zeola para barrar as investidas santistas pelo centro do campo.
Resistiu o Juventus ao Golpe
Mesmo sofrendo um tento, resistiu o Juventus ao primeiro golpe do adversário, continuando a contra-atacar, criando momentos de perigo para a meta de Manga, já que Pavão, sentindo muito o terreno escorregadio caia com muita freqüência e com isso se confundia muito seguidamente dando “chance” então ao adversário de criar momentos de perigo. Reagindo bem a marcação do primeiro gol santista, mostrou o quadro dirigido por Bauer que estava em condições de aspirar realmente a vitória.
Modificação no Sistema Defensivo
Na segunda fase o Juventus passou a cuidar mais dos ponteiros santistas. Lima e Clovis passaram a auxiliar seus médios e o próprio Rodrigues recuou muito visando com isso dar cobertura a Pando enquanto Lima auxiliava a Julinho. Abrindo um pouco o centro do campo, permitiram então os “grenás” que Pelé e Coutinho manobrassem com maior facilidade, pois somente depois da bola dominada é que os procuravam para combater. Nessa altura cresceu a produção do ataque santista tanto mais que o recuo de Rodrigues deu a Ramiro o ensejo de passar a cobrir o meio de campo, enquanto Formiga descia para apoiar o ataque. Com isso o Santos foi se assenhorando do campo e aos 8 minutos marcou o seu segundo tento por intermédio de Pelé. Recolhendo a bola, num passe de Zito, Pelé adiantou-se e depois de enganar um adversário entrou pela área decididamente e atirou no gol no momento em que Moraes saia da meta para fechar o ângulo.Quando a bola ia transpondo a linha de gol, Pando tentou num esforço desesperado afastar a bola, mas somente acabou enviando mais depressa ao fundo de suas próprias redes.
Duas Contusões Acabaram com os Juventinos
Depois de haver o Santos conquistado o seu segundo tento, os juventinos tiveram dois jogadores contundidos . Homero atingido por uma” bicicleta” de Coutinho, teve de sair de campo para ser medicado. Depois foi Pando, que atingido por Pelé na disputa de uma bola perigosa no momento em que o atacante santista procurava assinalar mais um gol, teve que sair de campo para ser medicado e não mais voltou ao gramado (na época não havia possibilidade de substituição e, assim, o Juventus ficou com um homem a menos). Com a saída de Pando, recuou primeiro Rodrigues e depois Cássio para cobrir a posição de zagueiro esquerdo. Em conseqüência disso o Santos que já dominava o campo, teve então completa ascendência do jogo. Dorval lançado por Ramiro, então bem adiantado, invadiu a área e fechou para o arco, batendo Moraes com um tiro rasteiro e bem colocado.
Um Gol de História
Foi o quarto gol do Santos, um desses tentos que passam a história. Pelé que já vinha sendo o homem mais brilhante em campo, o autor das jogadas mais sensacionais, assinalou o quarto gol da tarde. Fe-lo porém com a marca do gênio do futebol, que de fato ele é. Driblou Homero e Clovis e quando Moraes saiu da meta, cobriu-o pelo alto com absoluta tranqüilidade e esperou a descida da bola para com uma cabeçada, segura e bem calculada envia-la ao fundo das redes. Foi de tal forma sensacional o tento que os jogadores juventinos foram cumprimentar o atacante santista.
Jogo Brilhante e Vitória Justa
Resumindo tudo podemos afirmar que o Santos alcançou uma vitória brilhante e justa e que foi conseguida através de um jogo excelente, com duas equipes normalmente empenhadas na prática de um futebol de ótima categoria . (Comentário de A. Paes Leme)