Iniciava-se o ano letivo de 1945 e aquele garoto de quase sete anos de idade, residente na Rua Orvile Derbi, 210, bairro da Mooca em São Paulo foi matriculado no primeiro ano do curso primário no Colégio Vera Cruz que funcionava na Rua Piratininga, bairro do Brás, distante cerca de seis quilômetros.
Para ir ao colégio, era utilizado o bonde. Naquela época, a Mooca era servida por três linhas de bonde.
O bonde 8 saindo da Praça da Sé, ao lado da antiga Agência da Caixa Econômica Federal, descia pela Av Rangel Pestana, atravessava o Parque D.Pedro II, passava por uma ponte sobre o rio Tamandatueí, dobrando na Rua Piratininga, percorrendo-a até atingir a Rua da Mooca. Subindo por esta rua, atravessava a velha porteira dos trens da São Paulo Railway, posteriormente Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, hoje integrante o sistema de trens metropolitanos. A porteira deu lugar a um viaduto tão reclamado e alcançado pelos moradores da Mooca e bairros adjacentes. O Bonde 8, atingia as ruas Taquari e Bresser, seguindo por esta ultima até a Av. Celso Garcia, antes porém, enfrentava a travessia de outra estrada de ferro, a Central do Brasil, lembrando ainda que não existia a Radial Leste para ser cruzada. Na Av. Celso Garcia, dobrava a esquerda em direção ao centro da cidade, seguia pela Av. Rangel Pestana, chegava no Largo da Concórdia e aí tinha outra porteira de estrada de ferro a ser vencida, as famosas porteiras do Brás, da Santos a Jundiaí. Prosseguia até a Praça da Sé, encerrando o circuito da linha.
A outra linha, a 10 fazia o percurso exatamente ao contrário da linha 8, entrando pela Rua Javari, Visconde da Laguna até a Rua da Mooca.
Ainda tinha a linha 11 que fazia o trajeto iniciado no Largo do Tesouro, descendo a Rua General Carneiro, até o Parque D. Pedro II, dobrava a direita na Rua 25 de Março, seguindo pela Rua Frederico Alvarenga, atravessava uma ponte sobre o Rio Tamandatueí, prosseguindo pela Rua da Mooca, até a Rua Borges de Figueiredo. Percorria toda esta última rua, cujo ponto final era na esquina da Rua Sarapui.
Daí voltada pelo mesmo trajeto até o ponto inicial.
Voltando ao inicio da nossa historia, o menino, para ir ao colégio utilizava a linha 10.
Os bondes da Mooca eram do tipo aberto, tendo estribos do lado direito e esquerdo, por onde o cobrador circulava, fazia a cobrança da passagem diretamente ao passageiro e registrava o pagamento num relógio mecânico acionado por um pingente de tira couro. A cada registro o relógio emitia o famoso “tlim-tlim”. Como o sistema de transporte era explorado pela Light, existia uma brincadeira sobre esse tipo de cobrança ou seja: “tlim-tlim dois pra Light e um pra mim”.
Na primeira semana de aula, foi o garoto acompanhado pelo pai ou pela mãe. A partir da segunda semana, já mais senhor do trajeto, passou a ir só a escola. Também podia se viajar no compartimento destinado ao motorneiro, o “motorista” do bonde.
Por viajar sempre no mesmo horário, fez rapidamente amizade com motorneiro e cobrador, o primeiro de nome Benjamim (mesmo nome de seu pai) e o “alemão” o cobrador. Logo passou a viajar na cabine junto ao motorneiro. Os bondes abertos, tinham freio a ar, os modelos mais antigos ainda eram freados a manivela.
O motorneiro usava as duas mãos para dirigir o bonde: com a esquerda fazia girar um dispositivo para tracionar o bonde e com a direita acionava os freios. Ainda tinha um freio de pé para o estacionamento do bonde. Tinha também um dispositivo para lançar areia no trilho para permitir melhor frenagem. Era um barato vê-lo dirigir aquele monstro de rodas de ferro.
Na confluência da Rua da Mooca, no sentido cidade, com a Rua Piratininga, havia no trilho uma agulha para ser acionada manualmente, para direcionar o trilho: à direita Rua Piratininga ou em frente prosseguindo pela Rua da Mooca. Para acionar a agulha era utilizada uma barra de ferro de, aproximadamente um metro de comprimento, com a ponta achatada, como se fosse uma grande chave de fenda, trabalho este realizado pelo cobrador.
Passava o tempo e o menino com a amizade desenvolvida com o motorneiro, conversa daqui e dali, encarregou-se de, diariamente, quando necessário, movimentar aquela agulha. Descia do bonde e lá ia virar a agulha. Era uma sensação de ajuda realizada e orgulho de ser útil, sem saber o que realmente isto significava.
Hoje, aos 68 anos este menino lembra com saudade aqueles tempos em que as pessoas eram simples, os jovens tinham interesse em aprender através da observação dos fatos. O velho Benjamim e o “Alemão” deixaram boas lembranças.
Em 1950 os bondes foram substituídos por ônibus importados, os famosos “Twin-Coach”. Mas esta é outra história.
Roberto João Dal Medico