Durante quinze anos, entre 1955 e 1970, minha família, composta por meus pais, dois irmãos e eu, tivemos o prazer de morar em uma vila de quatorze sobradinhos geminados, que fica na Rua João Antonio de Oliveira, 1053 no bairro da Mooca.

Nessas quatorze casas viviam quatorze famílias de origens variadas. Tinha mineiro, paulista do interior, descendentes de espanhóis, italianos e árabes, formando uma divertida torre de Babel. Os componentes dessas famílias eram trabalhadores, pessoas amigas, alegres, das mais variadas idades. As crianças, em torno de trinta , tinham um espaço maravilhoso para brincar de esconde-esconde, futebol, pula corda, uma vez que carros eram escassos. Lá pudemos desfrutar de lindas festas de aniversários, festas juninas( todos vestidos à caráter, fogueira,cadeia e quadrilha), além de reuniões numa sala apertada para assistir aos primeiros programas de TV em preto e branco, no único aparelho de um privilegiado morador. E assim éramos muito felizes em torno dessa simplicidade.

Nossas escolas públicas eram o Grupo Escolar Oswaldo Cruz e o Instituto de Educação Firmino de Proença, e o Colégio Santa Catarina, particular e só para meninas, todos na rua da Mooca.

Nossa igreja era a São Raphael e até hoje, quando passo em frente a ela, faço o sinal da cruz, uma obrigação daqueles tempos e que ficou registrada em mim como um ato herdado dos nossos antepassados. Ela fica em frente a Rua Guaratinguetá e foi lá onde a maioria de nós se batizou, crismou, fez a 1ª.comunhão e se casou.

Na rua Orville Derby ficava a Pizzaria Bimbar, nossa…era um luxo comer lá, e quando íamos, éramos servidos pelo elegante e educado garçom Sr. Rubens.

Comprávamos o essencial, arroz, feijão, café, na verdade uma cesta básica adquirida conforme a necessidade e esporadicamente um doce de leite, um pé de moleque ou uma Tubaina (que chique!!!), sempre nas vendas do Sr. Albino ou do Sr. Manoel, ambos portugueses. Os valores dessas compras, no dia a dia, iam sendo marcados em uma caderneta. Esse fiado, muito usado no passado, era pago no final de cada mês, pelos chefes das famílias.

Na esquina com a Rua Eduardo Gonçalves ficava o bar do Sr. Toninho e da Dona Zeny, ponto de encontro dos jovens do pedaço, e lá comprávamos a mortadela, o salame e de vez em quando a cerveja do domingo.

O clube “Parque da Mooca”, reduto dos rapazes mais audaciosos, ficava na Rua Conselheiro Benevides e ali se promoviam shows, bailes e até algumas brigas famosas.

Na loja da Dona Shacura, uma senhora libanesa, as mães encontravam linhas, agulhas, botões,zíperes e outras miudezas para seus trabalhos artesanais, visto que eram todas muito prendadas.

Na rua Pedro de Lucena, aquela no formato de uma ferradura, moravam meu avós maternos e meus tios-avós e foi lá também onde comecei a aprender a tocar piano com a Profa.

Jandira, curso cuja formação clássica se deu no Conservatório Santa Cecília,( das Profas. Anninhas e Madalena, inesquecíveis) vizinho da sede da escuderia Pepe Legal e posteriormente, estudei musicas no estilo popular, no Conservatório Paes de Barros ( do mestre Didi e da Nana ,tão especiais) , ambos na Av.Paes de Barros.

Nossos cinemas eram o Icaraí (depois Ouro Verde), Moderno (na rua da Mooca),Roma (na Alcântara Machado) e Aliança (na Visconde de Inhomerim). Neles, além de mergulhar na magia dos filmes, a criançada chegava a fazer um grande piquenique,levando lanches para comer durante a exibição, que às vezes era duplo, ou seja dois filmes . As famílias desfilavam suas melhores roupas, encontravam os amigos e consideravam o programa mais importante da semana, voltando todos a pé para suas casas, conversando tranquilamente.

A piscina do Distrital, na Regional da Prefeitura, era a diversão garantida da garotada. Mais tarde o Juventus, time de futebol da Mooca, inaugurava a sua sede social com piscinas, quadras, restaurante etc….enobrecendo seu bairro.

As empresas Fundição Brasil, Maquinas Piratininga, Fabrica Amaral, Café Cabloco e Açúcar União, Cotonifício Crespi e Cia Antártica garantiam empregos de muitos trabalhadores da nossa região.

Na rua Borges Figueiredo passava o bonde que nos levava para os passeios dominicais no centro da cidade com papai, enquanto a mamãe fazia o almoço, normalmente um delicioso nhoque com molho ao sugo, bife à milanesa e salada de batatas.

Na rua Canuto Saraiva o ônibus da linha Parque da Mooca levava os bancários,escriturários, vendedores e outros, para a Praça Clóvis Bevilaqua.

Nossos dias pareciam ter 48 horas, podíamos empinar pipas, andar de bicicletas, ler revistas ( de gibis a fotonovelas), recolher as garrafas de leite com tampa de alumínio que os leiteiros deixavam nas portas, comprar os sonhos frescos que o “sonheiro” passava vendendo em sua bicicleta baú, colocar as cadeiras em frente das casas para bater um bom papo ou andar, simplesmente andar, dar uma volta….livres de qualquer medo ou ameaça. Os flertes eram comuns e nossos olhos brilhavam quando aconteciam os famosos bailinhos nas salas de nossas casas. Nossos amigos mais velhos faziam parte da Turma do Comodoro, composto por lindas moças e rapazes.

Daquela vila, daquele cotidiano, levamos experiências, exemplos de vida e o entusiasmo para lutar. Daquela vila surgiu o meu companheiro, de toda uma vida.

Boas recordações dos bons tempos da querida Vila Damasco .

Doces lembranças do Sr.Guerino e D.Anezia ( a primeira TV), do Sr. Fausto e D.Lina (que aplicava injeções na meninada), Sr.André e D.Eduziana ( ele segurava o cigarro entre os dentes da frente), Sr.Nicolino e D.Catarina ( ela sempre conversando com todos), Sr.Brás e D.Josefa (ele muito bravo), Sr.Domingos e D.Benedita (uma guerreira), Sr.Duguai e D.Maria (ambos muito bondosos), Sr.Atilio e D.Pia ( os italianíssimos), Sr.Antonio e D.Anunciata (ele sempre muito sério),Sr.João e D.Julieta(eu comia seus bolos deliciosos e ainda quentes, Sr.José e D.Cida(ela fazia as unhas das garotas), D.Regina e Maria, D.Luiza (brigava se a bola batia em suas flores e uma de suas filhas era boleira da União), Sr.Lozano, D.Lone e D.Yolanda (nessa casa sempre havia muitas frutas),Sr.Jorge e D.Odette (meus sogros queridos e um quibe espetacular), Sr.Nelson e D.Gilberta (meus adorados e exemplares pais).

Lembranças inesquecíveis de todos os filhos dessas grandes famílias…Esther,Tico, Ricardo, Mauro, Maria Regina, Marcio, Lauro, Norma, Luizinha, Cleide, Wagner, Pepe, Diva, Décio, Julio, Zé Carlos, Beto, Deise, Gessilda,Gardênia, Cláudio, Renata, Maria Helena, Cláudio, Matilde, Soninha, Zito,Geraldo, Maria do Socorro, Fátima, Nico, Julio César, Edson, João Miguel, Carmem, Anita, Lurdes, Toninho, Soares, Nonô, Bimbo, Carlos, Rogério, William, Walter (meu querido marido), Nelsinho e Paulinho (meus amados irmãos).

Lembranças de toda uma vida..Obrigada a todos, por terem feito parte de um grande pedaço da minha vida.

Cris Marinelli.